segunda-feira, agosto 15, 2005

O chinelão



Quando eu era miúdo e chegava o Verão, só me sentia bem descalço. A minha irmã tinha a mesma tara. Mas não podia ser: a minha mãe insistia em que era necessário ter alguma coisa para protegermos os pés. Já se sabe, as mães têm sempre razão, mesmo quando não têm, e nós acabávamos por ceder, depois de muita fita. Íamos então comprar umas chinelas baratas, que nunca fomos gente de muitas posses. Normalmente íamos àqueles vendedores que dantes montavam a sua barraquinha perto da praia, e a minha mãe comprava-nos umas chinelas daquelas de enfiar no dedo. Eram óptimas, podíamos andar com elas em todo o lado, e evitávamos a chulezeira, pois o pé era convenientemente arejado. Aquelas chanatas não eram, porém, dignas de serem usadas em ambiente que não fosse a praia e o caminho de lá a casa e de casa a lá. Não passava pela cabeça da minha mãe deixar-nos usar aqueles chinelões práticos mas horrorosos na escola, muito menos visitar família ou amigos com elas calçadas. Eram pouco dignas, baratuchas, dignas de loja dos 300, se na altura as houvesse.

Foi portanto estarrecido que descobri que as xanatas que a minha mãe nos comprava nas barracas de vendedores ambulantes, práticas mas feias e pouco dignas mesmo para pessoas com poucas posses como nós, foram rebaptizadas de "havaianas", e são o último grito da moda. Eu juro que ainda pensei que fossem apenas parecidas, quando vi o primeiro anúncio televisivo a publicitá-las, há coisa de um ano ou dois. Nunca mais me lembrei disso, porque como tenho vida própria e cultura mediana não perco tempo a ver anúncios televisivos nem consumo revistas ou programas de moda/fofocas. No entanto, não pude deixar de reparar que neste Verão antecipado começaram a aparecer rapazes e raparigas aos montes, até na faculdade, com as inestéticas chinelonas que a minha mãe nos comprava nos vendedores ambulantes, mas que nos proibia de usar em situações que não fossem o ir à praia ou brincar no quintal. Lembrei-me então do tal anúncio que vira há coisa de um ano ou dois, e perguntei a uma amiga se "aquilo" eram as famosas havaianas. Confirmou-me que sim. Eu não podia acreditar. São iguais às que a minha mãe nos comprava. Sim, também as havia coloridas e com bonecos. Se a minha irmã e eu aparecêssemos na escola com umas xanatas - perdão: "havaianas" - calçadas, seríamos imediatamente recambiados para casa por algum professor, e levaríamos um valente raspanete da minha mãe, indignada por termos feito tal figura. Hoje é um "must".

Espero que no próximo Verão sejam promovidos a acessórios de moda aquelas chinelas de plástico transparente medonhas que a gente usava para tomar banho nas zonas infestadas de peixe-aranha. Sempre protegem mais o pezinho.

Ah, e para quem me conhece e sabe que tenho também um irmão e já se está a perguntar "então e ele não usava?", a verdade é que o meu irmão não se limitava a andar descalço quando o calor apertava: quando o perdíamos de vista por mais do que um ou dois minutos, já ele corria completamente nu pela rua. Não, hoje em dia já não o faz.

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