sexta-feira, novembro 28, 2008

Mum-quê?

Tenho lido e ouvido na SIC-Notícias "Mumbai", referindo-se à cidade indiana conhecida há séculos em Portugal como Bombaim. Parece que a peregrina ideia partiu dos próprios indianos, que repudiam a forma tradicional nas línguas europeias. Eu gostava de saber como é que por lá se diz "Lisboa", para ver se são coerentes. Na SIC-N, porém, essa espantosa explicação parece ser desconhecida, pois os apresentadores falam da "antiga Bombaim, hoje Mumbai", como se tivesse havido um rebaptismo na língua local. Não houve, o nome da cidade é o mesmo há séculos. O que houve foi a paroleira de exigir que nas outras línguas se usasse uma transliteração da forma na língua local. Espero, repito, que os que o exigiram sejam coerentes e respeitem as formas vernáculas das cidades estrangeiras.

Se à paroleira dos governantes de Bombaim não podemos fazer nada, jà à SIC-N eu exijo que seja coerente, e que passe a usar o mesmo critério para todas as cidades que tenham, tal como Bombaim, formas consagradas há séculos em português. Para os ajudar, posso fazer uma listinha das cidades mais referidas nas notícias, pela ordem em que me for lembrando:

  • Londres terá de passar a ser London
  • Moscovo terá de passar a ser Moskva
  • Cairo terá de passar a ser al-Qahira
  • Bagdade terá de passar a ser Baaghdad
  • Atenas terá de passar a ser Athina ou Athinè
  • Viena terá de passar a ser Wien
  • Praga terá de passar a ser Praha
  • Belgrado terá de passar a ser Beograd
  • Argel terá de passar a ser al-Jazaa'ir
  • Saragoça terá de passar a ser Zaragoza
  • Varsóvia terá de passar a ser Warszawa
  • Trípoli terá de passar a ser Taraabulus
  • Damasco terá de passar a ser Dimashq
  • etc.
Porque se Bombaim passou a ser Mumbai, então porque raio não há-de a capital do ex-inimigo agora amigo Qadaafi ser chamada no seu nome local, Taraabulus? é até muito mais giro, sobretudo se se respeitar o "t" enfático.

terça-feira, novembro 25, 2008

cartaz

«Morto buscava a Madalena a Cristo na sepultura, e a perseverança e amor com que insistiu em o buscar morto, foi causa de que o Senhor lhe enxugasse as lágrimas e se lhe mostrasse vivo. Grande exemplar temos entre mãos! Assim como a Madalena, cega de amor, chorava às portas da sepultura de Cristo, assim Portugal, sempre amante de seus reis, insistia ao sepulcro de el-rei D. Sebastião, chorando e suspirando por ele; e assim como a Madalena no mesmo tempo tinha a Cristo presente e vivo, e o via com seus olhos e lhe falava e não o conhecia, porque estava encoberto e disfarçado, assim Portugal tinha presente e vivo a el-rei nosso senhor, e o via e lhe falava e não conhecia. Porquê? - Não só porque estava, senão porque ele era o encoberto
Sermão dos Bons Anos, IV

quarta-feira, novembro 19, 2008

Uma Manuela em cada esquina

Que Manuela Ferreira Leite tenha dito que se calhar mais valia uma ditadura ("sem democracia" quer dizer ditadura) durante 6 meses para pôr tudo na ordem já é lamentável, vergonhoso, escandaloso, e revelador da falta de cultura democrática que ainda perpassa largos sectores da direita portuguesa. Que o PSD venha agora torpemente tentar lançar areia para os olhos do pessoal, dizendo que a sua ditadorazeca se referia ironicamente ao governo - desculpa em que só acredita quem não tiver ouvido as horríveis palavras de Ferreira Leite - é um atentado à inteligência dos portugueses, para não dizer outra coisa.

Depois das lamentáveis afirmações xenófobas sobre ucranianos e caboverdianos, eis que Ferreira Leite continua a mostrar um populismo que até aos adversários supreende.

domingo, novembro 16, 2008

Palavra e Utopia

Por razões quase profissionais pus-me há dias a ver Palavra e Utopia, de Manoel de Oliveira. Faço já a minha profissão de fé quanto ao estilo de cinema que me agrada: gosto dos chamados "filmes de autor"; não me aborrecem nada os grandes planos de vários minutos, muito pelo contrário; prefiro filmes sem muito texto; não me interessa nada uma boa história, o que me interessa é a forma como ela é contada. Gosto (venero) de Abbas Kiarostami, Tarkóvski, Gus Van Sant.


Sinto-me portanto à vontade para dizer que não gosto do cinema de Manoel de Oliveira, sem me juntar ao coro das labregas que só querem é tiros e acção e histórias cor-de-rosa com finais felizes de preferência com lagriminha, já que deusnossenhor não lhes deu intelecto para mais. Não gosto do cinema de Manoel de Oliveira porque não é a minha estética.

Uma das coisas que me arrepia é a aparente (eu sei que é só aparente) ausência de trabalho de direcção de actores. No caso presente, o primeiro terço do filme chega a ser confrangedor, com cenas que parecem saídas de um mau teatro de província. O Ricardo Trepa que me perdoe, mas aquele Vieira jovem é aflitivo, e a coisa só não parece pior porque os amadores (são amadores, não são?) que com ele contracenam estão para além de qualquer adjectivo.

A coisa vai melhorando, a este nível, com o envelhecimento de Vieira, e a entrada do grande Luís Miguel Cintra - que ainda assim me parece longe do que lhe tenho visto na Cornucópia. Mas é com esse grande senhor, esse Actor, Lima Duarte, muito bem acompanhado pelo Miguel Guilherme, que o filme entra noutra dimensão. É por esse terço final que o filme vale a pena, quanto a mim. Porque na maior parte do tempo mais me pareceu uma manta de retalhos, um "booktrailler", como agora se diz, de (magníficos) sermões vieirinos.

Admito que me tenha escapado a essência, o segredo da obra de Oliveira. Admito-o com franqueza e convicção. Tenho a absoluta certeza de que o filme é uma fabuloso e de que fui eu que não o entendi enquanto obra de arte. Mas a verdade é essa: não o entendi, e não fosse a excelência do texto vieirino, primeiro, e a genialidade de Cintra e sobretudo Lima Duarte, depois, por mais que fossem quase profissionais as razões que me levaram a vê-lo, não teria resistido às penosas primeiras dezenas de minutos.

Pedro e o Lobo


O Manuel (faz hoje dois anos) obriga-me a ver em sessões contínuas esta extraordinária e negra versão do clássico Pedro e o Lobo. Aqui o Pedro é um menino de aspecto depressivo e neurótico. O avô é uma figura ambígua, um velho demasiado protector, carrancudo, por quem não se consegue ter simpatia. O pássaro é um corvo, crocitando rouco por cima das flautas de Prokofiev. Com uma asa ferida, não consegue voar. O pato não é um pato, é um ganso desajeitado e ligeiramente estúpido, o único verdadeiro amigo do Pedro. O gato é um psicopata esfomeado, a quem nem as moscas escapam. Os caçadores são maus e covardes, só se metendo com o lobo quando ele está enjaulado. E o lobo é um lobo. Não é mau, é selvagem, como todos os lobos. A música de Prokofiev, distribuída de forma descontínua ao longo do filme, estabelece a ligação com a história tradicional, aqui desconstruída de forma muitas vezes cruelmente irónica.

Também por isso esta animação polaca, vencedora do Óscar para a sua categoria em 2008, não é apenas mais uma versão da história musicada por Prokofiev. Longe disso. Quanto ao Manuel, obriga-me, repito, a ver em sessões contínuas "o pato e o covo", ou "o lobo mau". E eu não me importo nada. Não sei é se deva ficar orgulhoso por o meu sobrinho adorar de forma tão obsessiva um filme tão negro e neurótico (a Carolina, de 3 anos, recusa-se a vê-lo, lançando-me "eu assusto-me" e "tenho medo" aflitos), se seriamente preocupado. Até porque só deixa que o tire do leitor de DVD se a alternativa for um dos mais negros Tim Burton.

http://www.suzietempleton.com/pages/films/peter/filmspeter.html

terça-feira, novembro 11, 2008

Tenho nojo de ti


Depois de ver este programa, não sei o que me enojou mais: se o horror dos métodos de morte usados nos EUA pelo governo para assassinar cidadãos, se da beatitude repugnante do "host", defensor a pena de morte, o que já é mau, mas que, sem tomates, ainda tenta suavizar a coisa com uma procura de uma "maneira humana de matar". É que não há maneiras humanas de matar. Só há uma: a horrorosa, a definitiva. E não é por estar isento de dor e sofrimento (ainda não há nenhum método que o garanta) que um assassínio deixa de ser um assassínio. Mesmo quando cometido pelo Estado, em nome de algo a que, por descargo de consciência, chama "justiça", mas que na verdade só tem um nome: vingança. E um adjectivo: selvática.

Iconoclasta!



- Hereje!
- Barba de piaçaba!
- Onanista!
- Sodomita!
- Maniqueu!
- Ordinário!
- Montanista!
- Fedorento!
- Papista!
- Ariano!
- Priscilianista!
- Traveca!


Mais completo aqui

Que é que tu queres?


pb110024
Originally uploaded by asimoes1971

quarta-feira, novembro 05, 2008

A madrugada


Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, novembro 03, 2008

دام - hip-hop palestino


http://www.dampalestine.com

DAM pode ser lido como acrónimo de Da Arabian MC's, mas não deixa de remeter para دام, o radical que contém a ideia de durabilidade. Estes rappers palestinos cantam em árabe, mas também em inglês e hebraico. Para os apreciadores do género, entre os quais me incluo vivamente há mais de duas décadas, a não perder, absolutamente.

domingo, novembro 02, 2008

Fugiu!

O recente fascínio dos três anos da Carolina por igrejas têm-me preocupado. Muito. Não é por causa do edifício em si. Eu adoro igrejas. Por mim podia até viver numa igreja. Ou num convento. Mas sem orações. E sem ter de me levantar muito cedo. E sem frades. Só eu. Com uma boa biblioteca. Portanto não é isso que me tem preocupado. Nem é pela arte sacra. Afinal quem me tira o meu Caravaggio ou o meu Bosch tira-me tudo. O que me preocupava era que ela viesse a ser beata. Daquelas chatas de bigode e penteado parvo e muito boazinhas, tipo heroína de Júlio Dinis. No outro dia perdi o medo. Estávamos na Igreja de São Pedro, em Torres Vedras, a seu pedido. Dela, da Carolina, não do São Pedro. E depois ela disse-me com ar maroto que um dia tinha feito barulho na igreja e o Jesus tinha fugido.

Uma questão de respeito ou Kafka revisitado

A dívida que não era

Há pormenores que definem uma empresa. O respeito é um deles. Ou a falta dele. No dia 18 de Setembro deste ano, ao chegar a casa, esperava-me uma surpresa: não tinha ligação à internet. Eu não sabia ainda, mas era o início de um longo processo kafkiano, que só teria fim (espero) na semana passada, cerca de mês e meio depois. Mas vamos por partes, como se costuma dizer.

No dia seguinte dirigi-me à loja da PT em Torres Vedras, para saber o que se passava. Solícita, a funcionária disse-me que se tratava de uma desactivação por falta de pagamento. Puxando pela memória, lembrei-me que realmente 2 ou 3 dias antes tinha recebido uma carta de uma advogada que me ameaçava de processo criminal caso não pagasse naquele mesmo dia em que recebi a carta cerca de 28€ à PT. Como achei que era uma piada de mau gosto, ignorei. Afinal era verdade, a PT intimida e ameaça mesmo os clientes por dívidas ridículas. Mas que fazer, se devia, ora toca lá a pagar.

Antes fosse tudo tão simples. Já estava de notas na mão, quando a funcionária, sem corar, me garante que eu não devo nada. Estupefacto, crendo estar a ouvir mal, insisti, soletrando de forma clara que queria pagar a dívida que tinha motivado a desactivação da linha. Impávida, a senhora escandia: - O senhor não deve nada à PT. Olhei para todos os lados a ver se havia câmaras escondidas, sei lá, uma coisa de apanhados. Insisti: se me desactivaram a linha por falta de pagamento, é porque devia alguma coisa. Que não, dizia ela, revirando já os olhos, de facto a linha tinha sido desactivada por falta de pagamento, mas eu não devia nada, não havia nada para pagar. Sentindo-me um Josef K. da vida, virei costas, e fui para casa, na esperança de que a senhora tivesse fumado alguma coisa estranha, e de que na linha de apoio ao cliente alguém me atendesse de forma lúcida.

Do outro lado da linha a voz declinou, implacável:

- A sua linha foi desactivada por falta de pagamento. O senhor não deve nada à PT.
- Nem um cêntimo?
- Nem um cêntimo.

Tentei chamá-la à razão. Mostrar-lhe o absurdo da situação. Nada. Que eu não devia nada, que a linha tinha sido desactivada por falta de pagamento, se me podia ser útil em mais alguma coisa. Enfardei dois calmantes e liguei ao meu psicólogo a comunicar-lhe recaída irrecuperável. Um dia ou dois depois, comuniquei à DECO o sucedido, por via das dúvidas, não fosse haver a remota hipótese de afinal haver em mim ainda alguma lucidez e isto realmente não fazer sentido.

A reactivação

Talvez tenha sido coincidência. No dia 19 foi-me dito que a reactivação da linha não tinha data prevista, que era preciso esperar. No dia seguinte a contactar a DECO, a um Sábado de manhã, um senhor ligou-me a perguntar se me podia ir reinstalar a linha. Lá foi. Dias depois a PT teve o desplante de me enviar uma factura a cobrar a reinstalação. Ao mesmo tempo, a mesma advogada que me tinha ameaçado com processo criminal por dívidas inexistentes de menos de 30€ mandou-me outra carta onde, sem um pedido de desculpas, sem uma justificação, escarrava secamente que a dívida a que fazia referência na anterior carta não existia e portante a anterior carta (ameaça) se achava sem efeito. A PT no seu melhor.

Um sapo indesejado

Não estranhei não ter logo acesso ADSL. Afinal, imaginei, era preciso reactivar tudo. Pois é. Dias depois da reactivação da linha, recebo uma mensagem automática (daquelas robóticas) da PT, que parece não se dignar a falar com as pessoas, só usa máquinas, a comunicar que o meu login ao serviço SAPO ADSL era tal, e a password era tal. Acontece que eu NUNCA pedi acesso nenhum a sapo nenhum. Eu sou cliente Netcabo ADSL, e do SAPO, de que já fui cliente, quero é distância. Uma distância muito grande. Incompetência, mau atendimento, péssimo serviço. Adiante. E resumindo. Emails, telefonemas, e nada. Durante mais de uma semana protestei, gritei até, mas não consegui convencer ninguém da PT a desligar-me imediatamente do maldito sapo. Que tinha de mandar fax, que era um assunto muito específico. E eu só perguntava se tinha sido preciso algum fax para, sem o meu consentimento nem pedido, me terem feito cliente, se tinham achado muito específico sem o meu consentimento nem pedido me terem feito cliente. Mais queixas na DECO. A coisa arrastou-se. Até à semana passada. Cerca de mês e meio nisto. Sem internet em casa, por causa da incompetência e falta de respeito da PT.

Durante todo este processo, nem um telefonema a justificar ou a pedir desculpas por uma situação que manifestamente foi incompetência da PT. Aos muitos emails que enviei apenas recebi respostas-tipo, copiadas de formulários, copiadas umas das outras.

Um bom exemplo

Agora o outro lado. Durante todo este processo, e apesar de não ter qualquer responsabilidade, a ZON TVCabo prestou-me uma assistência exemplar. Os meus telefonemas foram respondidos por gente que sabia do que estava a falar, e que, quando não sabia, prometia - e cumpria, sempre - telefonema de uma equipa técnica no espaço de 1 hora. Depois de tudo resolvido, e restabelecido a minha ligação, recebo telefonemas regulares a perguntar se está tudo estável, se a ligação está sem problemas. É evidente que a empresa o faz com um objectivo comercial em mente. Mas é aí que está toda a diferença. E é por isso que eu da PT quero distância, e recomento a ZON a toda a gente.

sábado, novembro 01, 2008

Torres Vedras . 2008.12.01

Torres Vedras
Igreja da Misericórdia
1 de Dezembro de 2008
«E já que vai de esperanças, não deixemos passar sem ponderação aquelas palavras misteriosas da profecia: Insperate ab insperato redimeris. De propósito reparei nelas, para refutar com suas próprias armas alguma relíquia, que dizem que ainda há daquela seita ou desesperação dos que esperavam por el-rei D. Sebastião, de gloriosa e lamentável memória. Diz a profecia: Insperate ab insperato redimeris: "Que seria remido Portugal não esperadamente por um rei não esperado." Segue-se logo, evidentemente, que não podia el-rei D. Sebastião ser o libertador de Portugal, porque o libertador prometido havia de ser um rei não esperado: Insperate ab insperato; e el-rei D. Sebastião era tão esperado vulgarmente, como sabemos todos. Assim que os mesmos sequazes desta Opinião, com seu esperar, destruíram sua esperança; porque quanto o faziam mais esperado, tanto confirmavam mais que não era ele o prometido; podendo-se-lhe aplicar propriamente aquelas palavras que S. Paulo disse de Abraão: Contra spem in spem credidit; que "creram em uma esperança contrária à sua mesma esperança"; porque pelo mesmo que esperavam, tinham obrigação de não esperar.»