quarta-feira, setembro 30, 2009

A porta da rua é serventia da casa


Depois da figura patética que fez ontem, que mais pareceu uma fuga para a frente depois de apanhado em falso, depois de não ter explicado nada, depois de ter metido as mãos pelos pés, depois de ter explicitamente declarado guerra ao partido do governo, o sr. Cavaco só tem duas saídas:

1. não nomear Sócrates, já que pelos vistos não tem confiança no partido que venceu as eleições, o que configuraria na prática uma espécie de golpe de estado;

2. demitir-se, para não ter de indigitar o líder de um partido em quem não tem confiança e a quem declarou ontem guerra.

Qualquer terceira via é politicamente inaceitável. Mas claro, parece óbvio que vai mesmo escolher a terceira via: assobiar para o ar, de preferência a comer bolo-rei de boca aberta. Ao governo agora só resta ajudar o sr. Cavaco a acabar o seu mandato dignamente. O que se afigura complicaco.

domingo, setembro 27, 2009

A vitória

Há 3 grandes vencedores nestas eleições, um assim-assim e um derrotado claro.

  1. O PS venceu. Perdeu a maioria absoluta, como era previsível há muito tempo. No entanto, convém recordar que vinha de uma derrota expressiva nas Europeias, e que as sondagens ainda há pouco mais de 15 dias davam um empate com o PSD, que vinha, aparentemente, numa dinâmica de vitória. Havia ainda a crise internacional e nacional, o desemprego a subir. Em Junho houve quem imprudentemente augurasse o fim do "socratismo". Sócrates, goste-se dele ou não, mostrou que está muito longe de morto politicamente, e com uma campanha inteligente e muitíssimo bem gizada (o cartaz dos últimos dias é um prodígio de marketing político), desmentindo ao mesmo tempo todos os que acham que as campanhas nada decidem. Partia numa situação difícil, foi dado como derrotado até a poucas semanas das eleições, mas fez uma campanha notável, e estou convencido de que com mais 1 ou 2 semanas ainda chegava à maioria. Finalmente, o facto de nem o BE nem a CDU poderem fazer, separados, maioria com o PS, é um alívio para Sócrates, que assim deixa de se sentir obrigado a entendimentos à esquerda (o que eu lamento).
  2. O CDS obteve um resultado histórico, capitalizando os votos da direita e certamente de parte dos eleitores PS em 2005. Fez uma campanha quase tão boa como o PS, e, com uma mestria ousada, conseguiu que o seu líder fosse o último a falar, com um discurso que, conjugado com esse tremendo pormenor, lhe dá de feito um lugar no pódio destas eleições.
  3. O BE é o terceiro vencedor, embora com resultado aquém do que se esperava. Aumenta muito a sua representação parlamentar, descola da CDU, e assume-se definitivamente como a grande alternativa de esquerda ao PS. Ganha ainda um tremendo trunfo: se as contas não me falham, não consegue formar maioria com o PS. Assim pode sem problemas continuar a fazer do PS, e não da direita, o seu principal inimigo. De resto nem uma palavra se ouviu de congratulação pera estrondosa derrota do PSD, o que é pena.
  4. A CDU fica assim-assim. Não ganha nada, embora o seu discurso diga o contrário, numa divertida reedição do saudoso ministro de Saddam no dia da tomada do Bagdade. Tal como o BE, não consegue formar maioria com o PS, ficando de mãos livres para continuar a sua luta fratricida contra o PS, ignorando a direita.
  5. O PSD é o grande derrotado, talvez a mais significativa derrota da sua história. Obtém um resultado semelhante ao de 2005, mas com uma enorme diferença: em 2005 partia fragilizado por um governo impopular, em 2009 era o partido que teoricamente poderia tirar partido da impopularida do governo PS. Vinha de uma vitória nas Europeias, partia lado a lado nas sondagens a 15 dias das eleições. Mas fez uma campanha vazia, sem apresentar ideias nem propostas. Sobrestimou o povão tuga, e achou que já éramos suficientemente civilizadosa para passar sem espectáculo de campanha, sem comícios, sem brindes, sem espalhafato: apresentou uma imagem tristonha, quase fúnebre. Um erro crasso, quando do outro lado estava um mestre nestas artes. Poderia ter contrabalançado com as ideias, mas apresentou um programa vago, e centrou a sua campanha no discurso tipo velho-do-restelo contra o TGV, numa primeira fase, e tipo Quixote contra uma delirante asfixia democrática. Assim, partindo da "pole position", deixou-se ficar para trás, estagnou em termos de votos, não parece ter capitalizado praticamente nenhum voto de descontentamento, que se distribuiu entre o BE e o CDS.
O meu voto, como toda a gente sabe, foi para o PS. Esta vitória soube-me, como estou convencido que a quase todos os socialistas, muito melhor do que a de 2005, que era fácil e previsível. Esta foi difícil, e, tendo em conta as circunstâncias, nada evidente à partida. Espero agora que a esquerda (PS-BE-CDU) se entenda, e que o PS não caia na asneira histórica de se aliar ao CDS, o que me faria deixar de votar no partido.

sábado, setembro 19, 2009

Alegre

A participação de Manuel Alegra no comício desta noite do PS é significativa por várias razões. A principal é que mostra uma das maiores diferenças entre o PS e o PSD: enquanto a D. Manuela, com a ajuda do Sr. Cavaco, vão falando de asfixias democráticas e de "receios" e "apreensões", ao mesmo tempo que se saneiam das suas listas, correndo com os opositores, o PS do "ditador" Sócrates integra opositores internos nas listas (Seguro, por exemplo, n.º 1 por Braga, João Soares, no Algarve) e chama para o seu lado o maior de todos os opositores, Manuel Alegre (que infelizmente recusou estar nas listas de deputados). É a diferença entre um partido que sempre respeitou a pluralidade de opiniões e outro que tem por tradição calar as bocas discordantes - veja-se a expulsão de membros do partido em 1986, perpetrada pelo sr. Cavaco, depois de terem tido a ousadia de não apoiar o candidato presidencial do partido.

A outra grande razão é que, sendo Manuel Alegre o porta-voz oficioso da ala mais à esquerda do partido, e sendo, sobretudo uma figura simpática ao BE e ao PCP, pode ser um trunfo decisivo para a conquista de votos à esquerda, sobretudo entre os indecisos que, sendo da área do PS, estão descontentes e mais virados para um voto de protesto no BE. Porque é aí que se vai decidir a vitória do PS, não, como habitualmente, ao centro. O centro já optou há muito pelo PS, como se vê nas modestas intenções de voto no PSD, pouco acima da catástrofe de 2005. Os votos que o PS perdeu não foram para o PSD, foram para o PCP e para o BE. E é aqui que Alegre joga uma cartada decisiva. Não tirando seguros do BE e ao PCP, que não vão em cantigas e não se importam nada (pelo contrário) com uma vitória da direita, mas apelando aos indecisos de esquerda, os que não sabem ainda onde votar, só sabem que não querem a direita outra vez no governo, e têm pesadelos com a perspectiva de uma santíssima trindade com Cavaco, Manuela e Portas. É nesses que está a solução e a decisão destas eleições.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Porém?!

São muitos os motivos que me levam a recusar-me a ler obras inglesas, francesas ou espanholas em tradução. O primeiro de todos é o da fruição estética; o que perco na inteligibilidade, ganho no contacto com a sonoridade original, a escolha das palavras, a organização do discurso. No fim de contas, ganho mais do que perco. O outro grande motivo é o económico: as traduções portuguesas têm preços obscenos, por vezes o triplo, às vezes o quádruplo do original - e não, não se trata de "pagar o tradutor": mesmo as traduções inglesas de autores de outras línguas são geralmente pelo menos metade do preço das portuguesas.

Vejamos um exemplo. Comprei há algum tempo tradução da Moby Dick, da Relógio d'Água, por recear o inglês um pouco retorcido do original. Ainda assim, arrisquei lê-la na edição inglesa da Penguin Classics. Apesar da dificuldade, não me arrependi. Mas como sou muito curioso, decidi ir ver como resolviam os tradutores da Relógio d'Água algumas situações. Por exemplo, a peculiar linguagem arcaizante dos quakers. Por exemplo, no capítulo 18:

«"Young man," said Bildad sternly, "thou art skylarking with me - explain thyself, thou young Hittite. What church dost thee mean? answer me."»
Achei sempre, antes de verificar o português, que a única opção aceitável era usar a 2.ª pessoa do plural, desrespeitando a gramática do inglês, mas conservando o sabor arcaico. Qualquer outra opção apagaria por completo a intencionalidade do original. Mas o que a mim parecia lógico, aos tradutores da Relógio d'Água pareceu retorcido, e, passando uma esponja sobre o original, verteram desta maneira no mínimo sensaborona:

« - Rapaz - observou Bildad severamente - , estás a divertir-te à minha custa. Explica-te porém, hitita. A que igreja te referes, responde.»

E se ignorar a preciosa musicalidade do texto é já grave (como entenderá o leitor a alusão explícita do narrador à peculiaridade da fala quaker, se na sua tradução não há qualquer peculiaridade?), que dizer daquele "porém" ali metido a martelo? Os tradutores claramente tomaram o pronome pessoal thou pela concessiva though. Lamentável.

Estranha, finalmente, também é a opção de representar o sinal de Queequeg (que dá o nome ao capítulo) não por uma forma redonda, como diz explicitamente o texto (e representa a edição da Penguin), mas por uma cruz. Depois há pormenores menos significativos, como a omissão da versão hebraica do nome "baleia", no início, ou a opção por não numerar os capítulos. Ainda assim, uma tradução muito superior à inenarrável e inapresentável versão publicada numa colecção do Público há uns anos, que entre gralhas e erros omitia todo o capítulo introdutório.

Por fim, o motivo financeiro. A minha edição da Penguin custa, na Amazon, 11,20$, o que dá pouco mais de 7€. A tradução da Relógio d'Água custa, na FNAC, 24€. Mais do triplo.

E não, não se pode justificar com o pagamento ao tradutor. Vejamos outro exemplo. O fabuloso "O meu nome é Vermelho", do Pamuk, custa na tradução (indirecta) da Presença, 22,50€ (via Wook). A tradução inglesa, directa, por onde o li custa, na Amazon.co.uk, 4,11£, ou seja cerca de 4,50€ - cerca de 1/5 da tradução portuguesa, e com a vantagem de ser feita sobre o original. Também o tradutor da edição inglesa terá certamente recebido pagamento.

É por estas e outras que continuarei a ler em inglês, mesmo correndo o risco de não entender algumas palavras. Antes isso do que apanhar com algum "porém" inadvertido.

sábado, setembro 12, 2009

Um pouco de sabedoria islâmica

عن أبي هُريرة: أن رجلا قال للنبي صلى الله عليه وسلم أوصني، قال:
لا تَغْضَبْ
فردد مرار، قال:
لا تَغْضَبْ

De Abû Hurayra. Disse um homem ao Profeta (que Deus o abençoe e lhe paz) que o aconselhasse. [O Profeta] disse:
- não te irrites!
E ele, de novo:
- não te irrites!

terça-feira, setembro 08, 2009

Política de verdade . 1

Asfixia democrática . 1

Linux r0x

Quando me dizem que Linux é muito difícil, eu tenho sempre muita vontade de rir, porque não só se instala mais facilmente do que o Windows como é muito mais intuitivo e eficiente. De outra maneira seria impossível um analfabeto informático como eu usá-lo vai para mais de 10 anos. Agora a minha mãe, já nos 60 e tais, também se converteu. Dei-lhe o meu velho portátil, que tem Linux e Windows, para substituir o dela, relíquia só com Linux, que lhe passei para a mão há alguns meses, depois de o dela pifar ("nunca me vou habituar a isto do Linux"). Perguntei-lhe se queria que configurasse este novo portátil para entrar automaticamente no Windows. Respondeu que não, que estava afeiçoada e habituada ao Linux, que lhe prantasse mas é o Gnome à maneira (um dos muitos ambientes gráficos do Linux), e mainada.

domingo, setembro 06, 2009

Coligação de Direita Unitária


Quando no debate de ontem Jerónimo de Sousa hesitou e acabou por não responder cabalmente à pergunta "prefere que ganhe o PS ou o PSD", voltou a confirmar uma ideia que é óbvia: CDU (e BE) estão mais interessados em derrotar o seu inimigo principal, o PS, do que a direita. Ao recusarem-se ambos a acordos pós-eleitorais, estão ainda a dizer claramente que não querem ser governo. Deviam, pois, deixar de ter autoridade moral para dizer que o PS "tem políticas de direita": quando se lhes põe a hipótese de participarem num governo de esquerda com o PS, recusam. O que não admira: o seu objectivo primeiro é, e será sempre, derrotar o PS. E só depois derrotar a direita.

Ainda e ssempre o accordo ortographico

Na Pública da semana passada, Simone de Oliveira diz que não concorda com o acordo ortográfico, e que vai continuar a *falar* como sempre falou. O que é como se alguém dissesse que não gosta de couves de bruxelas, pois prefere Beethoven.

Se se tivesse dado ao trabalho de se informar um bocadinho, a Simone saberia que é precisamente o inverso: o novo acordo procura aproximar mais a escrita da fala, eliminando letras que só servem para enfeitar. E não me venham com a etimologia, que se assim fosse então teríamos de escrever "instrucção", já sem falar de consoantes dobradas, "y" e quejandos: o "c" de "acção" faz tanta falta como o "p" de "esculptura". E não, não, não abre vogal nenhuma, não só porque isso seria um absurdo, do ponto de vista da nossa tradição ortográfica, mas sobretudo porque o que não falta na nossa escrita são pretónicas abertas sem necessidade de penduricalhos obsoletos, como "inflação", "corar", "pregador", "pegada", "colação", etc. - um enorme etc. Por outro lado, não são poucas as palavras com penduricalho que não só não se pronuncia, como não abre vogal nenhuma, como "actuar" e "actriz", só para mencionar duas palavras de utilização frequente. E não, não há nenhuma incongruência na alteração de radical de palavras da mesma família, como já ouvi argumentar, a propósito do par "Egito"/"Egípcio": já acontece em muitas palavras, como o par "esculpir" / "escultura" (que já se escreveu "esculptura", e ninguém morreu por cair o "p").

E não se pense que sou contra a conservação de vestígios etimológicos na escrita: pelo contrário, nem que seja pela minha formação, sou um adepto incondicional da escrita etimológica. O que acho é que das duas uma: ou se opta por uma escrita etimológica, à maneira francesa ou grega, ou se avança para uma escrita fonética, à maneira italiana. Este nem carne nem peixe que é a nossa ortografia é que não.

A afirmação da cantante Simone revela, portanto, que, salvo raras e honrosas exceções, os ataques ao acordo ortográfico são geralmente desprovidos de qualquer sentido, pois misturam duas coisas que pouco têm que ver: a língua, com a sua gramática, e a escrita, que não passa de uma convenção extralinguística, mais política do que outra coisa.

A oposição ao acordo, com notáveis e poucas exceções, faz-se valer mais da emoção do que da razão: é-se contra o acordo porque sim, porque não se gosta. Mesmo quando se trata de pessoas tão cultas e dotadas de inteligência superior, como o Eduardo Lourenço, que afirma sem corar que vai continuar a escrever como foi alfabetizado. O que quer dizer que, tendo em conta a sua idade e a altura em que foi alfabetizado, continuará a escrever "êle", "flôr", "mãi", "quasi", e outras coisas do mesmo género.

N.B.: texto escrito de acordo com o acordo, tendo sido necessário mudar apenas uma palavra.

sexta-feira, setembro 04, 2009

Um OVNI na Restauração


«Con vna notable obseruacion Astrologica se puede tambien confirmar la Corona deste nuebo Rey, interpretandola en su fauor haciendo juizio del globo de fuego resplandeciente con vna larga cola, o lança, que el año de 1631. se leuantò de la parte Occidental del mar Oceano, y corriẽdo sobre la tierra el Sabado seis de Nouiẽbre quasi al anochecer parò sobre la corona de vna imagen de piedra de elRey Don Alfonso Henriquez, que los religiosos de Alcobaça auiam colocado en vn nicho por memoria de auer sido fundador, y dotador de aquel Real Combento. Y aunque el Doctor Frai Antonio Blandon discursò con acertado juizio sobre este prodigio, fue acomodãdole a su intẽto, deuiendo entenderse, & interpretarse de la aclamacion delRey Don Iuan acreditada con milagros, y prodigios, que la confirman.

Es el Cometa en la diffinicion de Aristoteles (a que siguen todos los modernos) vna junta, o congregacion de exhalaciones viscosas leuantadas de la tierra por fuerça de las estrellas asta la suprema region del aire, adonde se inflaman, y encienden; y a esta inflamacion llaman Cometa. Y aunque a este globo com cola de fuego, no se pueda aplicar nombre semejante, porque no se leuantò asta la media, ni suprema region del aire, no se puede dudar de que engẽdrado de las mismas exhalaciones, q́ los demas Cometas acabãdo cõ tãta velocidad por falta de materia. Y resueluẽ todos los Astrologos, q́ para ser buena la significacion de semejantes Cometas, ande parecer muy resplandecientes, y de la parte meridional, como esta grande exhalacion.»

El principe encubierto, manifestado en quatro discursos politicos, exclamados al Rey Don Phelippe IIII. de Castilla... escrivelos Lucindo Lusitano... - Em Lisboa : na officina de Domingos Lopes da Rosa : a custa de Lourenço de Queirós livreiro do Estado de Bragança, 1642
Fólios 30r-30v

quinta-feira, setembro 03, 2009

Não era bem que ficasse reservado


"A moderação foy tal, como se pòde arguir, de que animos tão justamente indignados, & irritados, se abstiverão de violencias em acto, que permitia as mayores liberdades. A nenhum Castelhano se tocou, esquecendose o nobre, & altivo intẽto dos animos, dos aggravos, que em differentes occasioẽs receberão nossos lugares desta gente; guardarãose os decoros às pessoas, que aqui estavão por elRey de Castella, conforme ao que se devia à condição de cada hũa. Ninguẽ tratou de vingarse de seu inimigo, cousa facil em semelhantes occasioẽs, antes muytos, que o erão, ficarão reconciliados. Sò pagou com a vida o Vasconcellos, que por traydor à Patria, não era bem, que ficasse reservado."

Manifesto do Reyno de Portugal. No qual se declara o direyto, as causas, & o modo, que teve para exemirse da obediencia del Rey de Castella, & tomar a voz do Serenissimo Dom Joam IV. do nome, & XVIII. entre os reys verdadeyros deste Reyno. Em Lisboa : por Paulo Craesbeeck, 1641
38r-38v

quarta-feira, setembro 02, 2009

Ora toma lá que é para aprenderes


«Num lugar da Beira se afirma que ouue hum homẽ, que ouuindo dizer numa cõuersação de amigos que na felice aclamação delRey nosso Senhor fizera o crucifixo da Sè o milagre, que a todos he notorio: disse que podia a caso a imagem do Senhor despregar o braço; & assim como acabou de dizer estas palauras cahio huma parede junto da qual estauão todos os da cõuersação, & sò a elle matou»

Gazeta em que se relatam as novas todas, que ouve nesta Corte, e que vieram de varias partes no mes de Nouembro de 1641.
Lisboa, 1641.
Fólio 2r.

Lucta de Gigantes

O esforço de editar os nossos grandes autores é sempre de louvar, sobretudo quando a tendência é deixá-los caídos no esquecimento, ao contrário das boas práticas de outros países - basta ir a Badajoz para ver a diferença (não nas lojas de caramelos, claro). Um dos grandes esquecidos tem sido Camilo Castelo Branco, um dos mais abundantes escritores da nossa literatura, mas também, paradoxalmente, um dos difíceis de se achar nas livrarias, com a notável excepção do Amor de Perdição, cânone escolar oblige. Por isso é meritória e digna de aplauso a iniciativa da Fronteira do Caos em editar esta Luta de Gigantes. Pedia-se, porém, era um bocadinho mais de cuidado na edição, com gralhas e, o que é um bocadinho mais aborrecido, muitos erros de leitura, devidos certamente a desconhecimento dos hábitos tipográficos do século XIX, mas que um bom trabalho de edição teria detectado. Eu que sou muito embirrante com estas coisas fico um bocadinho aborrecido com a falta de acentos, ou com o estropear de nomes como o do Pedro Baeça, que aqui passou a chamar-se Pedro Bacça. Não era flor que se cheirasse, a gente já sabe, mas não lhe bastou ter sido executado por traição em 1641, tem de ter também o nome degolado?

terça-feira, setembro 01, 2009

Ó pai, não se amofine, ele não é ele, é ela

«A ideia de que existe uma fronteira bem definida entre um homem e uma mulher acabou por ser abandonada pelos organismos internacionais de desporto, com o fim das averiguações do sexo obrigatórias - primeiro pela IAAF, em 1992, depois pelo COI em 1999. "Os geneticistas mostraram que vários defeitos genéticos na síntese e reconhecimento das hormonas podem resultar num indivíduo que anatomicamente é XY e fisiologicamente é uma mulher. Rotular estas mulheres como 'homens' causou-lhes danos irreparáveis", reconhece-se no manual médico da IAAF, no capítulo dedicado aos assuntos especiais das atletas femininas. »
in Público, 30 de Agosto de 2009

Há dias o Público trazia uma reportagem, a propósito da Caster Semenya, que dizia que não basta a configuração dos genitais, nem mesmo os cromossomas, para definir o sexo de alguém. Dizia mesmo que essa definição é neste momento impossível. São excelentes notícias para quem não consegue assumir a sua homossexualidade. Pode sempre levar o/a parceiro/a a conhecer os pais, e dizer "não, por favor, não se deixem enganar pelas aparências".