segunda-feira, outubro 29, 2007

Um piano mesmo muito raro


Enquanto suava no ginásio, ia olhando para a televisão, posta estrategicamente por cima da passadeira. Estava a dar um programa medonho na MTV (sim, é redundante "medonho" e MTV na mesma frase, mas não interessa), sobre mansões de "parvenues" americanos. Um deles, com fronha de emigrante portuga em França (mas era americano e estava em L. A.), mostrava orgulhoso um "raro piano do século XVII": uma peça horrorosa, cheia de talha dourada, com todo o ar de órgão manhoso de igreja de província. Ora, como toda a gente sabe, o piano só foi inventado no século XVIII, ainda que se possa remontar aos finais década de 90 do século XVII um primeiro protótipo, que no entanto só com muito boa vontade se poderia chamar um piano. Portanto, o mamarracho de teclas modernas que o "parvenue" exibia orgulhoso e que, segundo o programa, lhe custou algumas centenas de milhares de dólares, é realmente uma peça mesmo mesmo muito rara... Assim uma espécie de Nossa Senhora de Fátima em marfim do século XVIII.

domingo, outubro 28, 2007

O naco de carne


O senhor à minha frente, barrigudo e bem fornecido de carnes, pediu não sei o quê. Crepes? Francesinhas? Assim uns quadrados com dois ou três dedos de altura, cobertos de uma pasta branca fumegante. Queijo derretido? Algum molho? Tinha muitíssimo bom aspecto. Olhou para o prato com ar culpado, e pediu, para acompanhamento, salada. Deitava olhares aflitivos às batatas fritas e à maionese. Mas resistiu. Depois pediu uma sopa, pouco convencido. A refeição ficaria completa com um desanimado pratinho de fruta. Aposto que no fim pediu café com adoçante. Eu pedi uma belíssima sopa. Como não tenho tendências suicidas, dispensei a gordura com um pouco de crepe, bem como a bacalhauzada com natas e o que quer que fosse aquela pasta grossa, avermelhada, com bolhas de gordura, onde nadavam pedaços de carne. Na impossibilidade de esperar que me grelhassem um bife, e como no chamado "Bar de Românicas" da FLUL se declarou guerra à comida saudável, fiquei-me pelo arroz branco com salada. Concluí com uma deliciosa pratada de fruta, e no fim bebi um chá sem açúcar - lembra alguém estragar o fabuloso sabor do chá com açúcar?! Depois olhei de novo para a barriga do senhor à minha frente. Eu também já tive uma assim, há 40 quilos atrás. Só que um dia achei que uma coisa daquelas era feia e perigosa para a saúde. E fiz uma dieta racional e séria. Aquele senhor acha que aqueles nacos de não sei quê embebidos em gordura fazem menos mal se forem acompanhados de salada.

O desafio

O André Benjamim lançou-me o desafio. Eu não costumo participar, mas abro uma excepção, em consideração ao meu homónimo, que gosto de ler. Além disso achei que era um bom pretexto para falar de uma das minhas mais recentes e intensas paixões, a língua e cultura árabe e islâmica.

O desafio é, pois, o seguinte:

"1. Pegue no livro mais próximo, com mais de 161 páginas – implica aleatoriedade, não tente escolher o livro;
2. Abra o livro na página 161;
3. Na referida página procurar a 5.ª frase completa;
4. Transcreva na íntegra para o seu blogue a frase encontrada;
5. Aumentar, de forma exponencial, a improdutividade, fazendo passar o desafio a mais 5 bloggers à escolha."

O problema é que o livro que tinha mais perto de mim era um dicionário "Árabe - Inglês", e supus que dicionários não contassem. Pensei então no segundo livro mais perto de mim, o Alcorão. Mas o desafio implica não escolher. Voltei então ao dicionário. Tive a esperança de que aparecesse uma definição interessante. Sei lá, um conceito filosófico ou religioso. Ou um verbo de implicações cognitivas. Ou uma preposição daquelas muito ricas em sentidos. Ou até um adjectivo bonito. Sei lá, qualquer coisa de jeito. Mas o que está na 5ª frase completa (entendida como definição) é o seguinte:

"كاحل kahil (كواحل kawahil) ankle"

Bom, o difícil agora é escolher 5 pessoas. Mas aqui vai:

André (O melhor blog do universo)
Cláudio (claudiofranco.net v. something)
Firefly (Staré mesto)
Mariana (Clube das leoas)
Pedro (Reflexos meus)

Aprender árabe foi um dos maiores desafios a que me propus nos últimos anos. Não tanto pela proverbial (e até certo ponto real) dificuldade da língua, mas por três factores que ma tornaram irresistível.

1. O facto de não ser uma língua indo-europeia. Até agora só tinha aprendido línguas indo-europeias: inglês, francês, latim, grego clássico e espanhol (por ordem cronológica). Por mais estranhas que aparentem ser, há sempre um determinado número de características fundamentais que as unem, ao nível morfo-sintáctico. Por mais bizarro que possa parecer o sistema verbal grego clássico, ele obedece, no essencial, aos mesmos princípios do nosso. Mas com o árabe não se passa nada disto. É necessário esquecer praticamente tudo o que se sabe sobre línguas. Lembra a alguém, por exemplo, que animais ou coisas no plural levem uma concordância de adjectivo no feminino singular?

2. O facto de ser uma língua sagrada. O estudo do árabe não se pode dissociar do Islão, ainda que haja um número significativo de arabófonos de religião cristã ou judaica. É que o árabe que aprendo, o árabe padrão usado nos "media", literatura e relações internacionais, não é outro senão o árabe do Alcorão, fixado há 14 séculos, apenas com alguns neologismos impostos pela evolução tecnológica. Eu não sou muçulmano nem imagino que venha alguma vez a ser. Sou ateu. Mas as religiões fascinam-me, e por isso talvez tenha lido o Novo Testamento mais vezes do que a esmagadora maioria dos cristãos. O Islão, tão pouco e mal conhecido no Ocidente, sempre me fascinou. Esta é uma oportunidade única de o conhecer melhor, e com a possibilidade de ler os seus textos fundadores no original.

3. O facto de ser uma língua quase imutável. Como ficou dito em cima, o árabe padrão moderno é o árabe fixado por Maomé no Alcorão, no século VII d.C., apenas com alguns neologismos impostos pela evolução tecnológica. Mas a sintaxe, a morfologia, a generalidade do léxico, são os mesmos num jornal do Cairo ou numa Sura do Alcorão. É quase como se nos jornais portugueses se escrevesse à maneira de Fernão Lopes, ou, levando um pouco mais longe o símile, como se o telejornal fosse dito em latim. Evidentemente não é este o árabe do homem da rua, que fala o que se convencionou, por razões políticas e religiosas, chamar dialectos, mas que na prática são línguas diferentes. Ora, tendo-me eu dedicado durante tantos anos ao estudo da filologia medieval hispânica, como poderia deixar escapar esta oportunidade de aprender a língua usada, com quase nenhumas alterações, no al-Andalus medieval?

segunda-feira, outubro 22, 2007

Rua!

Regressa este blogue à actividade com a excelente notícia que foi a derrota sofrida pela extrema-direita polaca nas eleições deste Domingo. Não é que o Tusk seja assim por aí além em termos ideológicos (não posso avaliar mais nada, não vivendo na Polónia), mas a derrota das ideias reaccionárias, ultra-religiosas, xenófobas, homófobas, etc. tem de ser uma boa notícia em qualquer parte do mundo.