quarta-feira, novembro 25, 2009

Dîwân de las poetisas de al-Andalus

Trinta e três - 33 - poetisas árabes medievais, do al-Ândalus (quantas se podem contar no mundo cristão coevo?). Uma selecta organizada pela grande arabista espanhola - e uma das académicas mais simples, simpáticas e acessíveis que já conheci - Teresa Garulo. A antologia não é bilingue, mas tratando-se de obra de divulgação essa é uma questão menor. Deixo um cheirinho, de uma poetisa de Córdova.

«ay, gacela, que pastas siempre en este jardín,
soy semejante a ti
por esa soledad y por mis ojos negros,
las dos estamos solas, sin amigo,
sportemos, pacientes, lo que mana el destino!»

Qasmûna Bint Ismâ'îl al Yahûdî (s. XII)

Teresa Garulo (org.), Dîwân de las poetisas de al-Andalus. Hiperión, Madrid, 1998
ISBN 84-7517-168-0

terça-feira, novembro 24, 2009

Kafka revisitado


Já aqui tinha contado o processo kafkiano de marcação de consultas de alergologia no SNS, em Torres Vedras. Recordo: tendo-me dirigido às consultas externas do Hospital, pedi para me marcarem consulta no meu alergologista, onde não ia há algum tempo. A senhora do guiché rosnou que para marcar consulta para o meu alergologista tinha de ir à consulta do meu alergologista para ele me marcar uma consulta de alergologia. Abalado pela lógica do raciocínio, desisti, e por isso tenho continuado a produzir vários litros de ranho por dia.

Há dias voltei à carga. Desta vez, achando que eventualmente as senhoras do Hospital estivessem bêbedas (não achava outra explicação racional), dirigi-me directamente ao Hospital para doenças respiratórias (nós somos muito chiques, em Torres, temos dois hospitais públicos), em vez de marcar no Distrital, como sempre tinha feito, e depois esperar o contacto do outro. A medo lá comuniquei à menina do guiché, que regougou que para marcar consulta para o meu alergologista tinha de ir à consulta do meu alergologista para ele me marcar uma consulta de alergologia. Disposto a não desistir facilmente, perguntei se podia implorar ao meu alergologista que me recebesse entre consultas, para me marcar consulta para resolver o problema que podia ser resolvido naqueles minutos. Revirou os olhos e disse que podia tentar mas que não prometia nada. E eu desisti, outra vez.

domingo, novembro 08, 2009

Da pachorra

A minha misantropia sofre agravamento aos Domingos no supermercado, quando vou reabastecer-me de vegetais e frutas. Não é tanto por causa da quantidade de pessoas. Eu até gosto de multidões e apertos - tal como a natureza, eu aborreço (no sentido etimológico) o vazio. Só me entusiasmo, numa saída nocturna, em ruas apinhadas e em bares à cunha. Ponham-me numa rua vazia ou num bar com lugar para sentar, e começo a bocejar. Portanto, não é por causa da quantidade.

É por causa da pachorrência (se não existe passa a existir) dos casais de ar enfadado a empurrar devagar devagarinho o carrinho de compras e a tapar os caminhos, das senhoras de idade que andam lado a lado ocupando toda a faixa de rodagem, dos cachos de adolescentes pendurados nas mães a tapar os acessos às prateleiras, das senhoras (são sempre senhoras) que deixam os cestos ou os carrinhos a tapar o caminho enquanto hesitam na prateleira em frente entre comprar 6 cacetes destes ou 6 daqueles (ouvido há poucos minutos), e não deixam mais ninguém nem passar nem chegar-se ao pão, e eu ali a deitar fumo pelas orelhas a tentar passar, mas preso entre a pachorra de uns e a má educação de outros.

E depois as senhoras (também são sempre senhoras) que, já na caixa, esperam que esteja tudo registado para se dignarem pescar, sempre com muita pachorra, a carteira de dentro da mala sem fundo, e quando finalmente a acham abrem-na e despejam os dedos lá dentro, devagarinho, à procura do cartão ou do dinheiro, não sem antes esfregarem pachorrentamente os olhos no talão a ver se a operadora as enganou e registou um cacete a mais. Depois chego a casa, tomo um calmante, e juro que nunca mais volto ao supermercado ao Domingo.

segunda-feira, novembro 02, 2009

Da necessidade do mal


«Hay un argumento, muy elegante pero muy falso, de Leibniz, para defender la existencia del mal. Imaginemos dos bibliotecas. La primera está hecha de mil ejemplares de la Eneida, que se supone un libro perfecto y que acaso lo es. La otra contiene mil libros de valor heterogéneo y uno de ellos es la Eneida. Cuál de las dos es superior? Evidentemente, la segunda. Leibniz llega a la conclusión de que el mal es necesario para la variedad del mundo.»

Jorge Luis Borges, Siete Noches