quinta-feira, abril 30, 2009

Vai desejar o Menu AVC ou o Menu Enfarte?


Agora que frequento mais assiduamente, para almoçar, os bares da FLUL e da Biblioteca Nacional, começo a dar ainda mais valor aos meus 30-40 quilos perdidos em pouco mais de 2 anos, bem como aos resultados das minhas últimas análises ("de fazer inveja, esse colestrol", disse o médico), e sobretudo a perceber o espanto generalizado por tão radical emagrecimento: realmente é difícil perder peso quando nestas instituições públicas as ementas variam entre o Porco au Colestrol, a Mixórdia Não Identificável à la Aterosclerose, e os Bifinhos AVC. Eu lá pego no tabuleiro, mas, como não tenho vocação suicida, rejeito com olhares sobranceiros aquelas armas de destruição massiva, e peço uma saladinha ofendida, acompanhada de arroz branco ("poucochinho, faxavor"). Há uma senhora de uma simpatia indescritível, no bar da Biblioteca Nacional, que me olha com compaixão e sussurra, penalizada, "ah, o senhor é vegetariano", acompanhando às vezes com um gesto a abençoar uma mixórdia afogada em molhos de aspecto suspeito, onde flutua um reconfortante papel, já transparente de gordura, a berrar "Prato vegetariano". Eu costumo explicar, de modo a que à volta me ouçam e se arrependam, enquanto é tempo, dos seus pratos de gordura polvilhados de carne ou peixe módico, que não, que não sou vegetariano, que como tudo o que me puserem à frente, desde que seja grelhado ou cozido, desde que não esteja a boiar em óleo ou estrangulado em gordura. Bom, dispenso porco, é certo, mas como estou farto de que me perguntem se é por motivos religiosos e de responder que não, que é apenas por amor à vida e respeito pelas minhas educadas e exigentes papilas gustativas, já desisti de referir a excepção, e se me puserem uma costeletazita (*) de suíno à frente ainda sou capaz de tapar o nariz, conter o vómito e engoli-la sem mastigar muito - desde que seja grelhada e eu tenha muita muita muita fome.

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(*) "Costoleta"?! Ai sim? É de onde? Da costola?

quarta-feira, abril 29, 2009

terça-feira, abril 28, 2009

Evolução


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Originally uploaded by asimoes1971
Ainda dizem que a Universidade de Lisboa está decadente. Pelo menos na qualidade das caixinhas dos diplomas nota-se uma claríssima evolução do primeiro (1993, à direita) para o último (2004, à esquerda). Os preços, por outro lado, continuam obscenos.

Prisão do Ético

segunda-feira, abril 27, 2009

Os broncos


Que se vá para o México no pico da estação dos furacões, como é prática corrente entre os portugueses, ainda consigo compreender. Afinal ainda não é crime gostar de desportos radicais, e só põem a sua própria vida em risco, e ainda têm a hipótese de ganhar os seus minutos de fama, quando são entrevistados em directo nos telejornais, enquanto se encontram barricados em hotéis ou em aeroportos. Mas lá está, não prejudicam ninguém a não ser eles próprios. Revelam apenas burrice, perdoe-se o eufemismo. Agora que se vá despreocupadamente para o México, como se viu hoje nas notícias, com a ameaça de uma pandemia de gripe que já causou mais de uma centena de mortos e que ameaça tornar-se incontrolável, e portanto candidatando-se a tornar-se responsável pela sua introdução em Portugal, isto já roça o criminoso. Fosse eu governo, e esta gentinha não tornava a entrar no país sem uma quarentena. Todos enfiados numa garagem durante 1 mesinho, a pão e água, no regresso. O portuga é mesmo bronco.

quinta-feira, abril 23, 2009

José Mário Silva na FLUL

A próxima sessão do Clube das Clássicas é já no dia 20 de Maio, e contará com a presença de José Mário Silva. Escritor e crítico literário, José Mário Silva tem na sua poesia claras referências ao mundo clássico. Editou em 2001 o seu primeiro livro de poemas, Nuvens & Labirintos (Gótica), a que se seguiu em 2008 o volume de micronarrativas Efeito Borboleta e outras histórias (Oficina do Livro). Já em 2009 sai o seu segundo livro de poemas, Luz Indecisa (Oceanos). Deste livro aqui ficam umas linhas.

geografia humana


fast forward


Por muito
que aceleres

– duas vezes,
quatro vezes –

nunca deixas
de ter pressa.

Acabar bem o dia . 07

[Caspar David Friedrich - Monge junto ao mar]

As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, abril 20, 2009

Ele há coisas do diabo ou O homem da conspiração

Há dias, numa das minhas aulas de árabe via conferência áudio, a minha professora egípcia resolveu dar a aula quase toda em árabe, em vez do usual inglês. Tudo correu bem até ao momento em que começou a perguntar a raiz dos verbos que iam aparecendo. Ora, em árabe a raiz verbal, ou base, diz-se القاعدة , o que se transcreve al-qâʿida (acentuação na sílaba -qâ-), o mesmo nome usado para a infame rede terrorista (*). Na altura brinquei, dizendo-lhe que tivesse cuidado, não fosse ser surpreendida pela visita de espiões americanos que a tivessem sob escuta. Ela não respondeu, e eu pensei que tivesse levado a mal. Minutos depois o seu nome desapareceu da lista da conferência. Quando voltou, pediu muitas desculpas, mas a sua ligação tinha sido cortada durante aqueles minutos. E eu já estou como o Sancho, que não acreditava em bruxas, mas...


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(*) E que os media portugueses parolamente transcrevem à inglesa, quando a forma aportuguesada seria aquela que indiquei, ou, no limite, alcaida.

Paulo Rodrigues Ferreira

O Clube das Clássicas regressou, trazendo agora autores jovens ao nosso convívio. O primeiro é Paulo Rodrigues Ferreira, que lança o seu primeiro livro, com a chancela Livrododia Editores. É já no dia 22, no átrio da Biblioteca da FLUL. Confirmada está também a visita, ainda durante este semestre, de José Mário Silva e Luís Filipe Cristóvão.



Começar bem o dia . 09



Anómimo (s. X/XI), O canto da Sibila
Hespèrion XX, Jordi Savall

quarta-feira, abril 15, 2009

Verba aliena . 01

nothing is more exactly terrible than
to be alone in the house,with somebody and
with something)
.........................You are gone. ..there is laughter

and despair impersonates a street

i lean from the window,behold ghosts,
......................... ......................... .... ..... a man
hugging a woman in a park. .. Complete.

and slightly(why?or lest we understand)
slightly i am hearing somebody
coming up stairs,carefully
(carefully climbing carpeted flight after
carpeted fight. .. in stillness,climbing
the carpeted stairs of terror)

and continually i am seeing something,

inhaling gently a cigarrette(in a mirror

e. e. cummings

quinta-feira, abril 02, 2009

Já basto eu, ḥabîbî

Esforço-me por contribuir de forma positiva para a educação dos meus sobrinhos (nascidos em finais de 2005 e de 2006), já que os vou buscar à escola e passo com eles várias horas por dia. Assim, no carro ouvem quase exclusivamente a Antena 2 (o Manuel às vezes pede para ouvir a Umm Kulthûm, e parece convertido aos ritmos árabes). Já obtive resultados interessantes, e são ambos, sobretudo ele, admiradores devotos de Mozart, não dispensando a Flauta Mágica com regularidade. Também tento expô-los a literatura infantil de qualidade, e volta e meia introduzo leitura de autores menos infantis, mas com sonoridades atractivas. Além disso vou introduzindo palavras e frases em línguas estrangeiras, com insistência no árabe, língua a que estão menos sujeitos mediaticamente. O Manuel já responde a "ḥabîbî" (meu querido), que é como o trato, e até já repete de vez em quando, com bom sotaque.

Mas nem tudo corre bem, e começo a questionar se serei boa influência, no fim de contas. Além de continuarem lampiões ferrenhos, há dias o Manuel insistiu em que lhe comprasse um livro da Anita. Não satisfeito, ao chegar a casa quis pôr a tiara roxa com fitinhas da irmã. Depois disse que era uma rainha, perante a consternação da minha mãe e o meu embaraço. Lá o convencemos de que não era uma rainha, que quando muito seria um rei. Ele acabou por concordar que não era rainha, mas não deu tempo a que respirássemos de alívio: afirmou ser uma fada. E eu não sei se será da Antena 2, se da boa literatura, se dos meus brincos...

O macho


Já todos vimos - pelos menos nós, os que vemos coisas interessantes na TV - aquelas imagens de bandos de leões depois da caça: o macho dominante afocinha na barriga da zebra, enfarda até arrotar de fastio, e depois permite que as fêmeas, os machos ainda adolescentes e as crias comam o que sobrou. À volta, os abutres esperam que os leões se retirem, para, por sua vez, debicarem ossos, peles e os restos de tripas deixados.

Eu, a quem a natureza não deu atributos que me façam sobressair dos outros machos no que realmente interessa, sempre tive muita inveja destes leões dominadores. Sempre achei que não teria nunca o prazer de sujeitar machos rivais a terem de esperar pelos meus restos. Aliás, nunca achei que poderia ter machos rivais. Sempre achei que me estaria eternamente reservado o papel do macho de categoria inferior (e, nos piores pesadelos, de fêmea), no que toca aos despojos seja do que for. Até que, quem sabe fruto da velhice que não perdoa, comecei a acordar cedo, e a ir debicar a dose matinal de cafeína no café aqui do prédio.

A ideia é enfardar o cafezinho (não, não leva acento), mas também rebolar os olhos pelo jornal desportivo do dia. Dantes, quando me arrastava escadas abaixo já a meio da tarde e me entornava sem forças no balcão, na melhor das hipóteses encontrava o jornal já amarrotado e babado de dezenas de dedos lambuzados que o tinham desflorado ao longo da manhã. Já toda a gente o tinha lido, menos eu. Ossos e pele!

Agora apanho-o ainda rijinho (no pun intended), virgem ou quase. E agora acontece.

Agora acontece. Ainda agora aconteceu. Enquanto patinava os olhos pelas páginas do Record, notei nas mesas à minha volta os olhares invejosos de uns quantos machos. Perdi há décadas as ilusões de que essa inveja possa ser de alguma forma freudiana. Portanto tem de ser do jornal. De ser eu, nem que seja por minutos, o macho dominante do café. Ou pelo menos um dos de categoria superior. Eu não sou esquisito, satisfaço-me com pouco. O ar impaciente enquanto viro as páginas pachorrentas. Os olhares de coito interrompido quando pretendo ter acabado mas ainda me detenho, afinal, na inútil última página, fingindo ler não sei o quê. E depois quando o dobro e pouso perto de mim. Os primeiros movimentos nervosos dos machos inferiores (oh, que prazer poder dizê-lo), os rabos que hesitam a meio caminho entre o levantar e o ficar sentado. Os olhares trocados a aferir da categoria de cada um, para ver quem tem direito aos meus restos em primeiro lugar.

Depois levanto-me, vomitando olhares de desprezo pelo café. E há um ou dois ou três machos inferiores (ui!!!) que se levantam hesitantes, e de repente aceleram em direcção à minha mesa, e disputam o que resta da minha leitura matinal.

Assim é que se começa bem o dia. Até porque daqui a pouco vou para o ginásio, depois o duche no balneário, e lá se vai toda esta ilusão de macho superior.