quarta-feira, setembro 21, 2011

Da culpa dos outros

Até Junho, para o PSD a culpa da crise era exclusivamente do governo, que derrubou, precipitando a necessidade de ajuda externa, com o argumento de que "chega de austeridade". Agora, depois de aplicar medidas de austeridade muito mais duras que o as previstas no "memorando da tríade" (continuo a preferir grego a russo), muitíssimo mais duras do que as do PEC 4, agora a culpa é da Grécia e do Alberto João.

quarta-feira, setembro 14, 2011

Do pagamento de impostos em épocas de crise

Faz hoje 369 anos que o Pe. António Vieira pronunciou o Sermão de Santo António, na igreja das Chagas, em Lisboa, a apelar à participação de todos no esforço de guerra para manter a independência do reino, restaurada ainda não havia 2 anos. Apelava concretamente a que todos participassem com os seus impostos, o que seria o tema dominante das Cortes que se reuniram no dia seguinte. É uma ideia que continua bem actual, num país onde todos tentam fugir aos impostos, sobretudo os que têm mais, e onde se instalou a prática terceiro-mundista do pagamento sem factura, sem perceber que assim não vamos a lado nenhum. Dou a palavra a Vieira.

Estes (*) são os elementos de que se compõe a república. Da maneira, pois, que aqueles três elementos naturais deixam de ser o que eram, para se converterem em uma espécie conservadora das cousas: Ex eo, quod fuit, in alteram speciem commutatur; assim estes três elementos políticos hão de deixar de ser o que são, para se reduzirem unidos a um estado que mais convenha à conservação do reino. O estado Eclesiástico deixe de ser o que é por imunidade, e anime-se a assistir com o que não deve. O estado da Nobreza deixe de ser o que é por privilégios, e alente-se a concorrer com o que não usa. O estado do Povo deixe de ser o que é por possibilidade, e esforce-se a contribuir com o que pode; e desta maneira deixando cada um de ser o que foi, alcançarão todos juntos a ser o que devem; sendo esta concorde união dos três elementos eficaz conservadora do quarto. Vos estis sal terrae.

(*) o Estado Nobreza, o Estado Eclesiástico, o Estado do Povo.

Pe. António Vieira
Sermão de Santo António (Lisboa, 14 de Setembro de 1642)

quinta-feira, setembro 01, 2011

O exílio do crente

Nas "Vidas dos Padres Emeritenses", texto de meados do século VII, conta-se, entre outras, a vida de Masona, bispo de Mérida entre c. 570 – c. 600/610. Foi na altura das grandes disputas religiosas entre católicos e arianos, e Masona, católico devoto, foi levado a Toledo, à presença de Leovigildo, rei dos Visigodos entre 572-586 e seguidor da heresia ariana. Interrogado e ameaçado, resistiu às tentativas do rei no sentido de o converter ao arianismo. Derrotado, Leovigildo exigiu-lhe que ao menos permitisse que uma túnica de santa Eulália, relíquia então venerada em Mérida, fosse trazida para a catedral ariana de Toledo. Masona recusou. Leovigildo voltou à carga, e ameaçou-o com o exílio. Masona riu-se das ameaças, e deu esta resposta monumental, a que eu, agnóstico convicto, faço a minha vénia:

- Exilium mihi minaris? Compertum tibi sit quia minas tuas non pertimesco et exilium nullatenus pauesco, et ideo obsecro te ut si nosti aliquam regionem ubi Deus non est, illic me exilio tradi iubeas.
Cui ille ait:
- Et in quo loco Deus non est, biotenate?
Et uir Dei respondit:
- Si nosti quia in omni loco Deus est, cur mihi exilium minaris? Nam ubicumque me direxeris noui quia non me derelinquet pietas Domini.

(Vidas, 5.6.17-18)

Isto em linguagem é mais ou menos assim:

– Ameaças-me com o exílio? Fica sabendo que não tenho medo das tuas ameaças, e não tenho medo nenhum do exílio, e por isso peço-te que, se conheces alguma região onde não esteja Deus, ordenes que me levem para lá exilado.
Aquele disse-lhe:
E em que lugar não está Deus, ó tu que procuras a morte?
E o homem de Deus respondeu:
– Se sabes que Deus está em todo o lado, porque me ameaças com o exílio? Na verdade, para onde quer que me mandes, eu sei que a piedade de Deus não me abandonará.