A ascensão de Sócrates à liderança do PS ficou marcada pelo episódio do teleponto, no discurso da consagração. Aquilo que era uma atitude normal e usada por vários políticos em todo o mundo foi considerado sinónimo de impreparação e artificialismo. Se Sócrates tivesse levado o discurso em papel, não haveria tamanho chinfrim, apesar de na prática ser exactamente a mesma coisa.
Durante a campanha eleitoral para as Legislativas de Fevereiro de 2005, foi passada a mensagem de que Sócrates era um "robot", um político só de imagem, sem consistência. Alguma crispação nos debates com o dr. Lopes ajudou a fixar esta imagem.
Vem tudo isto a propósito do debate do Orçamento de Estado para 2006. No seguimento do que se tem visto em outros debates parlamentares, Sócrates tem feito intervenções de grande qualidade, desmontando os argumentos da oposição, e denunciando as suas contradições - memorável, de antologia, as intervenções a propósito do TGV, em que recordou que o PSD ainda há 2 anos era um entusiasta da alta velocidade, tendo inclusive assinado acordos com Espanha que previam a inauguração de alguns troços já em 2009, e aquela em que aproveitou uma deixa de um deputado do PSD que se queixava de a redução da despesa ser muito pequena, recordando que nos 3 anos de desgoverno PSD/CDS a despesa não só não desceu, como até subiu astronomicamente.
Estas intervenções mostram que eram falsas e injustas as acusações de artificialismo de Sócrates: as mais brilhantes tiradas desta tarde foram precisamente as que fez de improviso.
Não sou, nem nunca fui, admirador de Sócrates. Votei no PS, como voto sempre, porque sou militante, mas Sócrates nunca me convenceu, nem durante a campanha interna para a liderança, nem durante a campanha para as legislativas. Mas estes primeiros meses de governo, apesar de algumas medidas com as quais discordo, têm revelado coragem e competência. E de cada vez que ouço o homem no parlamento aumenta também a sensação de que temos ali político com consistência e coragem, mesmo que não concordemos com algumas das suas medidas. Marques Mendes sofreu isso hoje na pele: foi arrasado. Até Louçã, hábil na palavra, demagogo de primeira água, ficou reduzido ao sorriso seráfico que ostenta sempre que é derrotado na sua argumentação (o que não acontece todos os dias).