quinta-feira, setembro 01, 2011

O exílio do crente

Nas "Vidas dos Padres Emeritenses", texto de meados do século VII, conta-se, entre outras, a vida de Masona, bispo de Mérida entre c. 570 – c. 600/610. Foi na altura das grandes disputas religiosas entre católicos e arianos, e Masona, católico devoto, foi levado a Toledo, à presença de Leovigildo, rei dos Visigodos entre 572-586 e seguidor da heresia ariana. Interrogado e ameaçado, resistiu às tentativas do rei no sentido de o converter ao arianismo. Derrotado, Leovigildo exigiu-lhe que ao menos permitisse que uma túnica de santa Eulália, relíquia então venerada em Mérida, fosse trazida para a catedral ariana de Toledo. Masona recusou. Leovigildo voltou à carga, e ameaçou-o com o exílio. Masona riu-se das ameaças, e deu esta resposta monumental, a que eu, agnóstico convicto, faço a minha vénia:

- Exilium mihi minaris? Compertum tibi sit quia minas tuas non pertimesco et exilium nullatenus pauesco, et ideo obsecro te ut si nosti aliquam regionem ubi Deus non est, illic me exilio tradi iubeas.
Cui ille ait:
- Et in quo loco Deus non est, biotenate?
Et uir Dei respondit:
- Si nosti quia in omni loco Deus est, cur mihi exilium minaris? Nam ubicumque me direxeris noui quia non me derelinquet pietas Domini.

(Vidas, 5.6.17-18)

Isto em linguagem é mais ou menos assim:

– Ameaças-me com o exílio? Fica sabendo que não tenho medo das tuas ameaças, e não tenho medo nenhum do exílio, e por isso peço-te que, se conheces alguma região onde não esteja Deus, ordenes que me levem para lá exilado.
Aquele disse-lhe:
E em que lugar não está Deus, ó tu que procuras a morte?
E o homem de Deus respondeu:
– Se sabes que Deus está em todo o lado, porque me ameaças com o exílio? Na verdade, para onde quer que me mandes, eu sei que a piedade de Deus não me abandonará.

2 comentários:

Anónimo disse...

Não seria biothanate? De qualquer forma, é impossível exilar ou prender aquele que faz da sua cabeça o seu mundo.

André . أندراوس البرجي disse...

pois, eu também iria por "biothanate", no entanto sigo a edição crítica do Garvin, que conserva as peculiaridades dos manuscritos hispânicos.