A história das alegadas intoxicações com depuralina (podiam ter arranjado um nome menos piroso) leva-me de novo à questão dos emagrecimentos e dos engordanços, assunto de que feliz e infelizmente sei bastante. Eu já tinha visto os anúncios à dita cuja, insistindo na história dos detritos acumulados pelo corpo. Portanto, a depuralina, como a generalidade dos remédios miraculosos, baseia-se na perda de peso em virtude da expulsão de líquidos e "toxinas", não na perda de massa gorda. Hã? Isto faz sentido para alguém?
Desde miúdo que tenho vivido em sucessivas fases de obesidade que vão do cetácico ao bovino, passando pelo elefantíaco e pelo texuguino. Estas fases são alternadas por breves períodos de estado assim-assim, que normalmente são apenas o prelúdio para novo ataque adiposo. Até que, aos 35 anos, decidi que a minha simpatia pelas baleias não justificava destruir a minha saúde.
Antes disso, eu era como as senhoras da depuralina e afins: queria emagrecer, mas assim, sem muito trabalho, de preferência com uns comprimidos que me permitissem enfardar um fantástico bacalhau com natas - com saladinha - seguido de uma gulosa baba de camelo, tudo isto sem grandes pesos na consciência. Afinal havia o tal comprimidinho. Claro que nunca fui na cantiga dos comprimidos, nunca cheguei a tal ponto. Já na dos bacalhaus com natas...
Depois, tal como as senhoras da depuralina, lamentava a minha triste sorte, enquanto enchia o bandulho com um ovo estrelado a nadar em óleo de batatas. "Eu hoje nem tinha comido nada ainda", suspirava, enquanto me ensopava em chocolate. E era verdade. Eu realmente comia pouco. E roía as minhas bolachinhas de água e sal, essa bomba calórica que inexplicavelmente é considerada dietética pelas senhoras da depuralina (segundo uma nutricionista que uma vez li, uma bolachinha é equivalente a um pastel de nata).
Até que um dia achei que se em 35 anos nunca tinha conseguido ser magro sem esforço (tirando os loucos anos da licenciatura, em que saía de casa às 10 da noite e entrava às 10 da manhã, e não era para estudar), então se calhar era preciso mudar hábitos de vida. Afinal nunca me chegou notícia de alguém que emagrecesse de forma consistente sem fazer exercício e sem uma alimentação racional (o que não é, muito pelo contrário, igual a passar fome). Eu estava já numa situação de obesidade grau 2 (seja lá o que isso for, mas soa mal), não conseguia comprar roupa a não ser nos armazéns de roupa desportiva americana (já vestia o XXXXL, tenho provas no meu armário), não tinha muito a perder.
A receita é simples, lógica e resulta. Em vez de comer que nem um alarve 2 ou 3 vezes por dia, passando o resto do tempo cheio de fome, passei a comer pequenas quantidades várias vezes ao dia - truque bem conhecido, mas muito pouco praticado. Cortei com as gorduras, passei a um regime de carne e peixe grelhados, arroz, batata cozida, e muitos, muitos vegetais. Tudo em pequenas quantidades. Numa primeira fase cortei mesmo com o pão, o que foi um disparate, mas eu precisava de um tratamento de choque. Mas isto, obviamente, não chegava. Tinha de haver exercício físico. Não necessariamente num ginásio.
Em vez de andar de transportes urbanos aqui na minha Torres Vedras, passei a fazer a pé o caminho que vai da minha casa à paragem do autocarro para Lisboa. Eram 30 minutos a pé (que hoje faço em 20, em dias de maior preguiça). Deixei de cometer o absurdo que era ir de metro do Campo Grande para a Cidade Universitária, o que são mais uns 10 minutos (na altura uns 15). Só isto. Parece uma perda de tempo? Bem, entre esperar o auocarro urbano à porta de casa e depois o trajecto propriamente dito até à paragem para Lisboa eram pelo menos 15 minutos. O mesmo que hoje demoro a pé, se estiver com pressa. E menos do que se for de carro, pois entre fazer o trajecto e procurar lugar, demoro bem mais de 15 minutos.
De vez em quando fazia umas corridinhas. Das primeiras vezes a coisa custava, ao fim de 1 minuto estava com os bofes de fora, como soi dizer-se. Mas depois a coisa foi andando. Hoje faço sem grandes dramas 8 km, ou 50 minutos sem parar. Mas note-se, não foi preciso correr tanto, só comecei a fazê-lo depois de perder o peso todo que queria. Quanto?
No primeiro mês foram-se 10 quilos. Depois mais 10. E depois outros 10. Trinta. Em cerca de 1 ano. Só fazendo o que descrevi em cima. Sem dramas. Com esforço, claro. Mas sem esforço, só mesmo as dietas da depuralina... Depois achei que era boa ideia ir para um ginásio, para estabilizar e consolidar. Apesar de me terem prevenido de um eventual ganho de peso por causa do aumento da massa muscular, não hesitei. E a verdade é que aumentei espectacularmente a massa muscular (hoje tenho músculos que desconhecia em sítios inimagináveis), que reduzi a massa gorda a números normais, e além disso continuei a perder peso. Muito mais devagar, mas continuei. Perdi mais 5 quilos.
Portanto, 35 (trinta e cinco) quilos, mais coisa menos coisa, desde que decidi que as baleias são boas para estar no mar. Já lá vão 2 anos. Sem depuralinas nem outras mezinhas. Com esforço, mas sem esforço não se tem nada na vida. E tenho hoje uma qualidade de vida, uma energia, uma força e uma resistência que nem com 20 anos. Antes deste processo, chegava ao cimo da escadaria do estádio de Alvalade (a interior, aquela com cerca de 100 degraus...) com o coração aos saltos e a respiração cortada (tenho asma). Agora subo-as a correr, e chego ao cimo sem que a respiração tenha a mínima alteração. Além disso, nunca na minha vida tinha estado tanto tempo em estado não-obeso.
Entretanto afrouxei a dieta, mas mantendo sempre as gordurangas de fora, afrouxei o ritmo e intensidade de exercício físico, passei a ir mais vezes de carro até à paragem do autocarro. O peso estabilizou, nem para cima nem para baixo. Como nunca fui guloso, nunca comi bolos regularmente, nunca comi chocolates regularmente, carne sempre evitei (como por obrigação), em minha casa nunca se comeram refogados nem outras bombas cardíacas, posso afirmar com certeza que tenho tendência para engordar. Apesar disso, perdi 35 quilos sem grande trabalho, regulando apenas os hábitos alimentares e de vida. Para quem enfarda doces e carnongas a boiar em molhanga - mas que depois põe adoçante no café - seria ainda mais fácil perder peso. Bastaria fazer uma alimentação racional e deixar de querer levar o carro para dentro de casa e do trabalho.
Com quase 37 anos não tenho esperanças de vir a ser finalmente magro. Mas com 1,80 e 84k, dou-me por satisfeito. Sem depuralinas.
6 comentários:
Olá André!! E andando pelo google a pesquisar sobre a depuralina eis que me dei de caras c este belo texto! :-) Ainda estou a sorrir! Tanta verdade até me custou a ler!! :-D Não posso deixar de lhe dar os parabéns pelo excelente testemunho e pela sua força de vontade! Ah e claro pelo sentido de humor! Hilariante! :-D Continue assim e deixe-me só acresentar que c 1,80m e 84kg.... uii uii ;-)
olá André,nem imagina o bem que me fez ter lido o seu texto. Apesar de sonhar com uma cura milagrosa para a obesidade, sou resistente e continuo com a minha caminhada de 30 min diários, muita água e afasto-me das "molhangas". O resultado é lento mas pelo menos dá par estabilizar o peso.
Obrigada pelo texto, deu-me força para continuar!
Mais de 4 anos depois de colocar este post no blog, heis que chega mais uma pessoa que pesquisava sobre a tal Depuralina! Agradeço o seu texto, acho que realmente as pessoas (eu incluída) tentam tapar os olhos a si mesmas... Depois de ter lido isto, espero ganhar mais força de vontade para fazer as caminhadas diárias (faço caminhadas mas só de vez em quando) e para tentar controlar o meu peso de forma saudável =) Obrigada!
Gostei muito, procurava eu pela depuralina. Convenceu-me.
Muitos parabéns, gostei muito de ler este texto, o ser humano quer ser beneficiado sem fazer esforço nenhum e para isso prefere encher-se de químicos e mais químicos sem consciência do mal que estão fazendo a sua saúde. todos deveria-mos seguir estas dicas do amigo a risca, alem de emagrecer faz com que tenha-mos uma vida mais saudável.
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