quinta-feira, abril 17, 2008

As crianças são cada vez mais espertas

A Carolina diz que a fada de um dos livros dela sou eu. A sério. Diz que é a "Fada Né". Eu contava só lhe explicar que o tio tem um estilo de vida alternativo lá mais daqui a uns 15 anos, mas ela pelos vistos já percebeu.

domingo, abril 06, 2008

Ainda o accordo orthographico

Em relação ao coiso ortográfico, eu não tenho, como já disse, uma posição apaixonada. No entanto tendo para o apoiar. Por várias razões, que tentarei esquematizar, recorrendo a alguns dos argumentos contra mais utilizados.

Argumento 1 - as consoantes mudas ("inspecção") servem para abrir a vogal pré-tónica. É falso. De facto o português europeu tem tendência para fechar as pré-tónicas (isto é: as sílabas antes da acentuada), mas não são as consoantes mudas que as abrem. Vejamos alguns exemplos:

- "actual" tem a pré-tónica fechada (ac-), apesar da consoante muda;
- "inflação" tem a pré-tónica aberta (-fla-), apesar de não ter qualquer consoante muda.

Outros exemplos:

- Com consoante muda mas pré-tónica fechada: actualizar, actividade, actriz, etc. Expliquem-me lá o que está a fazer ali o "c" que não se pronuncia nem abre coisíssima nenhuma. Alguém diz "àtualizar"?

- Sem consoante muda mas com pré-tónica aberta: corar, pegada (marca de pé), pregar (predicar), pregador, pregação, etc. Foi precisa alguma consoante muda? Alguém diz "curar" ou "pgada" ou "prgar" ou "prgador" ou "prgação", naqueles contextos?

Já agora, porquê o apego ao "p" mudo de "óptimo"? Não é pronunciado, nem preciso para abrir nada. É etimológico? Pois é. Tal como era o "p" de "esculptura" e saiu da escrita. O que é que tem o "p" de "óptimo" a mais que o "p" de "esculptura"? A atual ortografia é incoerente, nestes e noutros casos.


Argumento 1a - As consoantes mudas são vestígios etimológicos. Certo. Mas então porque é que não pedem que as restituam em palavras como "condução", que até ao século XX se escreveu "conducção"? E já agora, porque não retomar os "y", "th", "ch", consoantes duplas, etc - afinal são também eles vestígios etimológicos.

Argumento 1b - As pessoas vão passar a pronunciar "âtor" por falta do "c" mudo. Falsíssimo. Não só pelo que em cima se escreveu e em baixo se escreverá, mas porque a experiência o desmente: é o mesmo argumento que os brasileiros usam para não quererem acabar com o trema, dizendo que as pessoas vão passar a dizer "linghiça". Ora nós todos sabemos que isso é falso, nós não usamos trema e nunca ouvi ninguém pronunciar dessa forma.

Argumento 2 - A língua deve evoluir naturalmente. Certíssimo. Mas um acordo ortográfico não muda a língua, nem nunca mudou. Aliás, a ortografia é uma mera convenção mais política do que linguística. A ortografia que usamos hoje não tem nem 100 anos, pois foi estabelecida em 1911, tendo até sofrido várias alterações entretanto (eu ainda aprendi a escrever "fàcilmente", o que hoje é errado). O próprio alfabeto é uma convenção, no nosso caso com motivações culturais. Porquê o latino e não o grego, o cirílico, o árabe? O persa, língua indo-europeia fortemente vocalizada (como a nossa) usa um alfabeto baseado no árabe, que nem sequer grafa as vogais breves - porque está pensado para uma língua semita, o árabe, onde as vogais não têm o relevo que têm nas línguas indo-europeias. Porquê então o alfabeto árabe? Porque a religião oficial é o Islão. De resto as línguas indo-paquistanesas, quase todas indo-europeias, escrevem-se com pelo menos 3 alfabetos diferentes, de acordo, em geral, com a religião. O urdu paquistanês, que é uma variante do hindi indiano, escreve-se num alfabeto arábico, enquanto o hindi se escreve com os "devanagari" já usados no sânscrito. Outras línguas indianas, como o concanim, usam o alfabeto latino, por razões históricas. O romeno, língua latina, escreveu-se durante muito tempo com alfabeto cirílico, tendo depois passado para latino - sem que a língua, obviamente, mudasse.

Argumento 3 - Vamos passar a escrever "fato". Falso. O acordo prevê apenas a queda das consoantes mudas. Ora, em "facto" o "c" é pronunciado, e, como o texto do acordo prevê, vai lá ficar.

Argumento 4 - O acordo é uma cedência aos brasileiros. Falso. Apesar de realmente mudar mais (mas a diferença é insignificante) a ortografia portuguesa, na prática é ela por ela.

Argumento 5 - O inglês também se escreve de maneira diferente nos países anglófonos. Sim, é verdade. E? Este acordo na prática deixa tudo na mesma. O léxico brasileiro afetado é menos de 1%, o luso-africano pouco mais de 1%. As grandes diferenças mantêm-se. Nós continuaremos a escrever "prémio", eles "prêmio". Nós continuaremos a escrever "facto", eles "fato". A única grande mudança é a queda das inúteis consoantes mudas. Portanto, continuará a haver uma ortografia brasileira diferente da luso-africana.

Argumento 6 - A ortografia é também uma questão afetiva. Certo. Mas estamos a discutir ortografia ou afetos? O grande pensador português Eduardo Lourenço, na casa dos 80 e muitos anos, escrevia há não muito tempo que continuaria a escrever "como aprendeu". Bom, suponho então que escreverá "êle", "mãi", "pae", "côr" e outras coisas que tais, que eram norma quando ele foi alfabetizado. Já sem falar dos acentos dos advérbios de modo, eliminados nos anos 70. Como não acredito que ele, com tanto livro publicado, escreva "êle é o pae do Victor, indiscutìvelmente um bom rapaz" (a não ser que depois lhe emendem os erros na tipografia), parece-me que há muita insensatez naquela afirmação (ou "affirmação"? ou "affirmaçom"? ou "afirmaçom"? ou "affirmaçam"? etc. já se escreveu destas formas todas).

Argumento 7 - Este acordo interessa às editoras. Não. Este acordo interessa a todos. Não foi feito por editores nem por políticos. Foi feito por pessoas sérias, linguistas e filólogos (e eu nem gosto muito de linguistas, mas o seu a seu dono). Pelo contrário, as editoras foram as primeiras a insurgir-se contra ele. Agora estão conformadas, e adaptaram-se rapidamente.

Argumento 8 - Este acordo é fruto de políticos, não se pode legislar sobre a língua. Falso. Vide supra, argumentos 2 e 7, sobretudo.

Este texto foi escrito usando a nova ortografia, como certamente notaram (ou, como se escrevia ainda no século XIX, "notarão").

sábado, abril 05, 2008

As senhoras da depuralina

A história das alegadas intoxicações com depuralina (podiam ter arranjado um nome menos piroso) leva-me de novo à questão dos emagrecimentos e dos engordanços, assunto de que feliz e infelizmente sei bastante. Eu já tinha visto os anúncios à dita cuja, insistindo na história dos detritos acumulados pelo corpo. Portanto, a depuralina, como a generalidade dos remédios miraculosos, baseia-se na perda de peso em virtude da expulsão de líquidos e "toxinas", não na perda de massa gorda. Hã? Isto faz sentido para alguém?

Desde miúdo que tenho vivido em sucessivas fases de obesidade que vão do cetácico ao bovino, passando pelo elefantíaco e pelo texuguino. Estas fases são alternadas por breves períodos de estado assim-assim, que normalmente são apenas o prelúdio para novo ataque adiposo. Até que, aos 35 anos, decidi que a minha simpatia pelas baleias não justificava destruir a minha saúde.

Antes disso, eu era como as senhoras da depuralina e afins: queria emagrecer, mas assim, sem muito trabalho, de preferência com uns comprimidos que me permitissem enfardar um fantástico bacalhau com natas - com saladinha - seguido de uma gulosa baba de camelo, tudo isto sem grandes pesos na consciência. Afinal havia o tal comprimidinho. Claro que nunca fui na cantiga dos comprimidos, nunca cheguei a tal ponto. Já na dos bacalhaus com natas...

Depois, tal como as senhoras da depuralina, lamentava a minha triste sorte, enquanto enchia o bandulho com um ovo estrelado a nadar em óleo de batatas. "Eu hoje nem tinha comido nada ainda", suspirava, enquanto me ensopava em chocolate. E era verdade. Eu realmente comia pouco. E roía as minhas bolachinhas de água e sal, essa bomba calórica que inexplicavelmente é considerada dietética pelas senhoras da depuralina (segundo uma nutricionista que uma vez li, uma bolachinha é equivalente a um pastel de nata).

Até que um dia achei que se em 35 anos nunca tinha conseguido ser magro sem esforço (tirando os loucos anos da licenciatura, em que saía de casa às 10 da noite e entrava às 10 da manhã, e não era para estudar), então se calhar era preciso mudar hábitos de vida. Afinal nunca me chegou notícia de alguém que emagrecesse de forma consistente sem fazer exercício e sem uma alimentação racional (o que não é, muito pelo contrário, igual a passar fome). Eu estava já numa situação de obesidade grau 2 (seja lá o que isso for, mas soa mal), não conseguia comprar roupa a não ser nos armazéns de roupa desportiva americana (já vestia o XXXXL, tenho provas no meu armário), não tinha muito a perder.

A receita é simples, lógica e resulta. Em vez de comer que nem um alarve 2 ou 3 vezes por dia, passando o resto do tempo cheio de fome, passei a comer pequenas quantidades várias vezes ao dia - truque bem conhecido, mas muito pouco praticado. Cortei com as gorduras, passei a um regime de carne e peixe grelhados, arroz, batata cozida, e muitos, muitos vegetais. Tudo em pequenas quantidades. Numa primeira fase cortei mesmo com o pão, o que foi um disparate, mas eu precisava de um tratamento de choque. Mas isto, obviamente, não chegava. Tinha de haver exercício físico. Não necessariamente num ginásio.

Em vez de andar de transportes urbanos aqui na minha Torres Vedras, passei a fazer a pé o caminho que vai da minha casa à paragem do autocarro para Lisboa. Eram 30 minutos a pé (que hoje faço em 20, em dias de maior preguiça). Deixei de cometer o absurdo que era ir de metro do Campo Grande para a Cidade Universitária, o que são mais uns 10 minutos (na altura uns 15). Só isto. Parece uma perda de tempo? Bem, entre esperar o auocarro urbano à porta de casa e depois o trajecto propriamente dito até à paragem para Lisboa eram pelo menos 15 minutos. O mesmo que hoje demoro a pé, se estiver com pressa. E menos do que se for de carro, pois entre fazer o trajecto e procurar lugar, demoro bem mais de 15 minutos.

De vez em quando fazia umas corridinhas. Das primeiras vezes a coisa custava, ao fim de 1 minuto estava com os bofes de fora, como soi dizer-se. Mas depois a coisa foi andando. Hoje faço sem grandes dramas 8 km, ou 50 minutos sem parar. Mas note-se, não foi preciso correr tanto, só comecei a fazê-lo depois de perder o peso todo que queria. Quanto?

No primeiro mês foram-se 10 quilos. Depois mais 10. E depois outros 10. Trinta. Em cerca de 1 ano. Só fazendo o que descrevi em cima. Sem dramas. Com esforço, claro. Mas sem esforço, só mesmo as dietas da depuralina... Depois achei que era boa ideia ir para um ginásio, para estabilizar e consolidar. Apesar de me terem prevenido de um eventual ganho de peso por causa do aumento da massa muscular, não hesitei. E a verdade é que aumentei espectacularmente a massa muscular (hoje tenho músculos que desconhecia em sítios inimagináveis), que reduzi a massa gorda a números normais, e além disso continuei a perder peso. Muito mais devagar, mas continuei. Perdi mais 5 quilos.

Portanto, 35 (trinta e cinco) quilos, mais coisa menos coisa, desde que decidi que as baleias são boas para estar no mar. Já lá vão 2 anos. Sem depuralinas nem outras mezinhas. Com esforço, mas sem esforço não se tem nada na vida. E tenho hoje uma qualidade de vida, uma energia, uma força e uma resistência que nem com 20 anos. Antes deste processo, chegava ao cimo da escadaria do estádio de Alvalade (a interior, aquela com cerca de 100 degraus...) com o coração aos saltos e a respiração cortada (tenho asma). Agora subo-as a correr, e chego ao cimo sem que a respiração tenha a mínima alteração. Além disso, nunca na minha vida tinha estado tanto tempo em estado não-obeso.

Entretanto afrouxei a dieta, mas mantendo sempre as gordurangas de fora, afrouxei o ritmo e intensidade de exercício físico, passei a ir mais vezes de carro até à paragem do autocarro. O peso estabilizou, nem para cima nem para baixo. Como nunca fui guloso, nunca comi bolos regularmente, nunca comi chocolates regularmente, carne sempre evitei (como por obrigação), em minha casa nunca se comeram refogados nem outras bombas cardíacas, posso afirmar com certeza que tenho tendência para engordar. Apesar disso, perdi 35 quilos sem grande trabalho, regulando apenas os hábitos alimentares e de vida. Para quem enfarda doces e carnongas a boiar em molhanga - mas que depois põe adoçante no café - seria ainda mais fácil perder peso. Bastaria fazer uma alimentação racional e deixar de querer levar o carro para dentro de casa e do trabalho.

Com quase 37 anos não tenho esperanças de vir a ser finalmente magro. Mas com 1,80 e 84k, dou-me por satisfeito. Sem depuralinas.