Vomitando ódio, preconceito e ignorância, via-se há dias nas notícias um israelita dizendo que se deviam exterminar todos os árabes (1). Com medo de que o seu ódio bíblico não ficasse claro, ele enumerava: Hamas, Hizbu Allah (2), e Taliban.
Além dos evidentes ódio e preconceito, há aqui também uma profunda e assustadora ignorância, a habitual confusão entre árabes e muçulmanos. É que como qualquer pessoa informada sabe, uma coisa não é sinónimo da outra. De resto, dentro do mundo muçulmano os árabes são uma minoria, abafados pelos povos do sudeste asiático e do mundo indo-iraniano, onde se incluem os "taliban", que, como qualquer criança de 6 anos sabe, não são árabes. Ao querer exterminar os árabes, aquele israelita pretendia exterminar, portanto, uma etnia, o que tem um nome técnico: genocídio, ou, na terminologia política do pós-guerra, holocausto.
Mas detenhamo-nos um pouco mais na confusão entre árabes e muçulmanos. Como é evidente para qualquer pessoa que leia jornais e livros, ser árabe não implica ser muçulmano. O Ocidente, habituado a séculos de intolerância para as outras religiões, não consegue compreender isto, mas há na generalidade dos países muçulmanos, e portanto também nos árabes, importantes minorias religiosas, nomeadamente cristãos. No Líbano quase metade da população é cristã; no Iraque a minoria cristã, activa apoiante de Saddam, é tão importante que até tinha um dos seus como braço direito do ditador: Tariq Aziz; no Egipto a comunidade cristã é de cerca de 15%; na Síria de cerca de 15%; na Jordânia de cerca de 7%; na Palestina o número é significativo, embora não tenha à mão dados percentuais. E se incluir nesta lista os malteses, que falam uma língua arábica, que não está mais distante do árabe padrão moderno (que ninguém fala como língua materna) do que os chamados dialectos árabes que são as verdadeiras línguas maternas dos países árabes, então teríamos aqui uma comunidade árabe de esmagadora maioria cristã. Mas como a inclusão dos malteses nesta lista, embora legítima, feriria as consciências daqueles menos entendidos em linguística, ficam de fora.
E já nem vou falar das importantes comunidades judaicas marroquinas, de onde saiu, por exemplo, um dos últimos líderes do Partido Trabalhista de Israel, Amir Peretz (nome árabe, Amir), e que este israelita também pretendia exterminar (são árabes, ergo...).
Portanto, ao querer exterminar todos os árabes, aquele israelita pretendia indiscriminadamente exterminar o muçulmano de Bagdade, o cristão de Beirute, o judeu de Casablanca, já sem falar dos ateus. É, portanto, um ódio étnico. E isto tem, como já disse, um nome: genocídio.
Se achar que todos os árabes são muçulmanos é, como se vê, um erro crasso, achar que todos os muçulmanos são árabes é ainda mais estúpido, tendo em conta que a grande maioria dos muçulmanos não é etnicamente árabe. Aquele israelita enfiava no saco árabe os taliban afegãos, erro muito comum mas absurdo e revelador de um desconhecimento atroz. Os afegãos são maioritariamente indo-europeus, do grupo indo-iraniano. Isto é, falam uma língua (o pastó) que partilha com o português e a quase totalidade das línguas europeias uma origem e características comuns. Em poucas palavras, e para os leigos em linguística histórica, o pastó afegão (3) são línguas aparentadas com o português, sem qualquer relação com o árabe (4). De resto há mais semelhanças entre o português e a língua dos taliban do que entre o português e o finlandês, língua não indo-europeia.
Mas que interessa isto ao igorante israelita da reportagem e a tantos outros ignorantes? O ódio é por definição ignorante, e quem odeia daquela maneira não terá nunca capacidade para entender qualquer noção ou explicação acima do nível intelectual de um chimpanzé amestrado.
Nota final: a designação "árabe" é, como se sabe, difícil e controversa. Não é simples definir o que é um árabe. A generalidade dos estudiosos aponta para uma solução de compromisso, que define como árabe aquele que usa a língua árabe e defende a cultura árabe. O que implica outras questões, como a dos dialectos árabes e de definir o que é cultura árabe. Eu gosto de apontar para uma definição mais simples, embora menos precisa, e que considera árabe aquele que usa no dia a dia a língua árabe e seus dialectos, e nasceu ou vive num país de língua oficial árabe.
-----
(1) "Endlösung", chamava-lhe Hitler
(2) Esta é a transcrição correcta, a forma "Hezbollah" é uma aproximação fonética de "hizbu l-lah", que é a forma como se pronuncia.
(3) Bem como o persa iraniano ou o urdu paquistanês, entre outros.
(4) Tirando alguns empréstimos, tal como o português tem muitos.
Além dos evidentes ódio e preconceito, há aqui também uma profunda e assustadora ignorância, a habitual confusão entre árabes e muçulmanos. É que como qualquer pessoa informada sabe, uma coisa não é sinónimo da outra. De resto, dentro do mundo muçulmano os árabes são uma minoria, abafados pelos povos do sudeste asiático e do mundo indo-iraniano, onde se incluem os "taliban", que, como qualquer criança de 6 anos sabe, não são árabes. Ao querer exterminar os árabes, aquele israelita pretendia exterminar, portanto, uma etnia, o que tem um nome técnico: genocídio, ou, na terminologia política do pós-guerra, holocausto.
Mas detenhamo-nos um pouco mais na confusão entre árabes e muçulmanos. Como é evidente para qualquer pessoa que leia jornais e livros, ser árabe não implica ser muçulmano. O Ocidente, habituado a séculos de intolerância para as outras religiões, não consegue compreender isto, mas há na generalidade dos países muçulmanos, e portanto também nos árabes, importantes minorias religiosas, nomeadamente cristãos. No Líbano quase metade da população é cristã; no Iraque a minoria cristã, activa apoiante de Saddam, é tão importante que até tinha um dos seus como braço direito do ditador: Tariq Aziz; no Egipto a comunidade cristã é de cerca de 15%; na Síria de cerca de 15%; na Jordânia de cerca de 7%; na Palestina o número é significativo, embora não tenha à mão dados percentuais. E se incluir nesta lista os malteses, que falam uma língua arábica, que não está mais distante do árabe padrão moderno (que ninguém fala como língua materna) do que os chamados dialectos árabes que são as verdadeiras línguas maternas dos países árabes, então teríamos aqui uma comunidade árabe de esmagadora maioria cristã. Mas como a inclusão dos malteses nesta lista, embora legítima, feriria as consciências daqueles menos entendidos em linguística, ficam de fora.
E já nem vou falar das importantes comunidades judaicas marroquinas, de onde saiu, por exemplo, um dos últimos líderes do Partido Trabalhista de Israel, Amir Peretz (nome árabe, Amir), e que este israelita também pretendia exterminar (são árabes, ergo...).
Portanto, ao querer exterminar todos os árabes, aquele israelita pretendia indiscriminadamente exterminar o muçulmano de Bagdade, o cristão de Beirute, o judeu de Casablanca, já sem falar dos ateus. É, portanto, um ódio étnico. E isto tem, como já disse, um nome: genocídio.
Se achar que todos os árabes são muçulmanos é, como se vê, um erro crasso, achar que todos os muçulmanos são árabes é ainda mais estúpido, tendo em conta que a grande maioria dos muçulmanos não é etnicamente árabe. Aquele israelita enfiava no saco árabe os taliban afegãos, erro muito comum mas absurdo e revelador de um desconhecimento atroz. Os afegãos são maioritariamente indo-europeus, do grupo indo-iraniano. Isto é, falam uma língua (o pastó) que partilha com o português e a quase totalidade das línguas europeias uma origem e características comuns. Em poucas palavras, e para os leigos em linguística histórica, o pastó afegão (3) são línguas aparentadas com o português, sem qualquer relação com o árabe (4). De resto há mais semelhanças entre o português e a língua dos taliban do que entre o português e o finlandês, língua não indo-europeia.
Mas que interessa isto ao igorante israelita da reportagem e a tantos outros ignorantes? O ódio é por definição ignorante, e quem odeia daquela maneira não terá nunca capacidade para entender qualquer noção ou explicação acima do nível intelectual de um chimpanzé amestrado.
Nota final: a designação "árabe" é, como se sabe, difícil e controversa. Não é simples definir o que é um árabe. A generalidade dos estudiosos aponta para uma solução de compromisso, que define como árabe aquele que usa a língua árabe e defende a cultura árabe. O que implica outras questões, como a dos dialectos árabes e de definir o que é cultura árabe. Eu gosto de apontar para uma definição mais simples, embora menos precisa, e que considera árabe aquele que usa no dia a dia a língua árabe e seus dialectos, e nasceu ou vive num país de língua oficial árabe.
-----
(1) "Endlösung", chamava-lhe Hitler
(2) Esta é a transcrição correcta, a forma "Hezbollah" é uma aproximação fonética de "hizbu l-lah", que é a forma como se pronuncia.
(3) Bem como o persa iraniano ou o urdu paquistanês, entre outros.
(4) Tirando alguns empréstimos, tal como o português tem muitos.
Sem comentários:
Enviar um comentário