quinta-feira, setembro 16, 2010

Quid miraris?

Continuo nos sermões. Frei Francisco Escobar (1617-1679) justifica a cobardia de D. João IV durante as Alterações de Évora (1637), nas quais basicamente não mexeu uma palha para ajudar os revoltosos e fez o jogo espanhol, como obedecendo a desígnios divinos.

Bem ia já mostrando Portugal a impaciência com o governo de Rei estranho no antecipado motim da cidade de Évora, confessando que não tinha já ombros para sustentar tão grande peso: e não deixa de ser mistério, o mover-se na era de trinta e oito. Esperava Portugal na era de quarenta ver-se restituído à glória de ter pai, e rei natural, faltavam-lhe naquele tempo dous anos para chegar à era de quarenta, que muito rompesse em motins, e inquietações! Trinta e oito anos havia, que um miserável paralítico padecia na mesma casa do Remédio; vem um Anjo a mover as águas, e só pera este pobre não havia lugar naquela piscina; impaciente com a opressão de tantos males rompe em brados e suspiros: non habeo hominem! E pera que estranha tanto os males, se tão feito está a padecê‑los? Grandemente Santo Agostinho: Quid miraris, quia languebat, quia ad quadraginta duos minus annos habebat? Estava o paralítico na era de trinta e oito anos de enfermidade, faltavam-lhe dous para chegar a quarenta, esta era a causa da sua impaciência: quid miraris, etc. Na era de trinta e oito vivia Portugal sujeiro à Coroa estranha, faltava-lhe dous anos para chegar a quarenta, em que havia de lograr Rei e Pai da pátria: que muito rompesse em motins, inquietações, quid miraris?

Frei Francisco Escobar
Sermão gratulatório pelo restabelecimento da saúde de D. João IV, 1655

ed.João Francisco Marques, A Utopia do Quinto Império e os Pregadores da Restauração, Quasi, Lisboa, 2007

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