O facto de ser ateu; o facto de, ao contrário da generalidade dos cristãos católicos, ter lido a Bíblia; o facto de em muitíssimas coisas estar em total e irreconciliável desacordo com o Cristianismo; tudo isto dá-me, espero, alguma autoridade para poder dizer que
as afirmações do senhor Saramago sobre a Bíblia revelam uma de três coisas (ou mesmo todas as três):
que ensandeceu, e além disso nunca leu de facto a Bíblia (ou se leu, leu mal), limitando-se a fazer eco das cavalidades dos ateus radicais;
que ensandeceu, e procura fazer polémica com intenção de publicidade gratuita, mediante ataques alarves a uma instituição que, com todos os seus defeitos, merece o respeito de qualquer pessoa com um mínimo de boa formação cívica;
que ensandeceu, simplesmente.
É que se é certo que, sobretudo o Antigo Testamento, tem de facto partes de uma violência chocante aos olhos da nossa cultura greco-romana fortemente temperada pela judaico-cristã, a verdade é que não se pode tomar a parte pelo todo, nem se pode, sobretudo, desligá-las do seu contexto. Longe de ser um "manual de maus costumes", é na verdade um dos pilares da nossa cultura e da nossa civilização, para o bem e para o mal.
Não reconhecer isto revela, no mínimo, ignorância. Embora no caso presente me pareça que outras razões bem mais lamentáveis - é que a ignorância não é um defeito, pode mesmo ser a maior das qualidades, quando a reconhecemos e a tentamos colmatar. Já a provocação e a afronta com efeitos publicitários, essas parecem-me sem remédio.
Quanto à Igreja, instituição à qual não tenho, repito, qualquer ligação e pela qual, insisto, não me move nenhuma simpatia especial (nem antipatia), espero que não morda o anzol insidiosamente lançado pelo senhor Saramago, e que leve à letra o conhecido dito que dá título a este texto.
acrescento: a comunidade judaica já reagiu. Como a gente costuma dizer nas discussões geek (sim, eu sou um bocadinho, e assumo-o), "please, don't feed the troll".