Lisboa, 1581. O Conde da Ericeira narra os primeiros acontecimentos nefastos após a subida ao trono de Portugal de Filipe II de Castela.
«Os castigos dos que falavam qualquer palavra contra o govêrno, e dos que não haviam servido el-rei na conquista do reino, eram tantos, ainda que ocultos, que se não perdoava nem aos religiosos; porque aquêles a que a tirania supunha delinqüentes, eram arrebatados de improviso, e levados à Tôrre de São Gião, donde os lançavam ao mar, que não querendo ocultar tanto delito, trazia os corpos às rêdes dos pescadores, e retiravam-se delas os peixes, ofendidos do insulto, recusando ser mantimentos de homens, que mudando as disposições de Deus, lhes queriam dar homens por alimento. E foi necessário que, à instância dos pescadores, o Arcebispo de Lisboa fôsse em procissão benzer o mar, profanado com tantos sacrilégios, para que êle (como sucedeu) tornasse a pagar o tributo do peixe que dantes costumava. (*)
Conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado. Livraria Civilização, 1945. Vol. I, p. 52
Imagem: Jean-Jacques Grandville - "Peixes pescando pessoas"
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(*) Sigo a edição de António Álvaro Dória (1945), que está escrita na ortografia vigente nos anos 40, aquela em que, grosso modo, o Eduardo Lourenço foi alfabetizado, e na qual ele diz que continuará a escrever, naquela que foi uma das mais estúpidas e hilariantes tiradas contra o novo acordo ortográfico. Esperamos que tenha tido correctores ortográficos pacientes nas últimas décadas, já que a ortografia em que foi alfabetizado foi diversas vezes alterada até à forma actual, a que tantos se apegam, mas que tem pouco mais de 30 anos. Na verdade, a ortografia da edição de 1945 necessita de 7 (sete) alterações para ficar conforme aquela agora em vigor. Já se tivesse transcrito o texto usando a ortografia em vigor, não necessitaria de nenhuma alteração para ficar conforme o novo acordo.
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