sábado, julho 31, 2010

CSI: Bagdade

Um pescador deita as redes ao rio e em vez de peixe pesca um saco de pano. Lá dentro, uma mão. O chefe da polícia manda investigar, e aparece outro saco, agora com um pé. Procura-se saber quem é o fabricante daqueles sacos. Depois, pede-se a lista de compradores, até se chegar ao assassino, que é preso e condenado.

Não é o argumento de mais um CSI. É uma narrativa árabe medieval, retirada da edição bilingue Nouvelles policières du monde abbasside أخبار بوليسية من العصر العباسي , que recolhe pequenas histórias (verdadeiras micronarrativas) de autores do período abássida, desde al-Mas'udî (m. 956) a Ibn Arabshâh (m. 1450).


O título é, no entanto, enganador, pois na generalidade não são histórias policiais tal como as entendemos hoje, apesar do exemplo dado. São pequenas histórias que têm em comum o tema do crime, mas em poucas se desenrola verdadeiramente um argumento policial. O título é ainda mais enganador em árabe, ao recorrer a um francesismo ("bûlîsîya") em vez do radical árabe tradicional.

Apesar de tudo, é um livrinho a não perder, mais ainda quando se é estudante de árabe. O texto original está profusamente anotado e vocalizado, e no final há um apêndice gramatical e lexical. Melhor ainda, os textos são reapresentados em anexo, agora sem notas nem vocalização.

segunda-feira, julho 26, 2010

Da ignorância

Na televisão ligada na sala ouço a dobragem de um documentário do canal Odisseia dizer duas vezes que os crocodilos de Cuba comiam "gigantes preguiçosos", "entretanto extintos". Mais do que uma aflitiva ignorância na língua original do documentário, revela-se uma escandalosa, inacreditável estupidez que ultrapassa os limites do razoável. Até a Carolina, com os seus quase 5 anos, sabe que o original de certeza dizia "preguiças gigantes", animal que de facto, como qualquer chimpanzé de QI médio sabe, existiu mas que entretanto se extinguiu. Agora "gigantes preguiçosos"?! O que virá a seguir? Leões a comer ogres malcheirosos? Tigres a comer gnomos zangados? Lobos a desfazer fadas sorridentes? Mas quem é que contrata - e, pior, quem é que paga a estes gajos para fazerem traduções deste calibre?

Da competência

Mandei vir do Arquivo Secreto Vaticano cópias dos fólios finais de um documento de 1656, que achava que me tinha esquecido de pedir da última vez. Para o pedido bastou, tal como das outras vezes, um email. Hoje recebo resposta a dizer que os fólios pedidos estão em branco, e se quero na mesma. Respondo a dizer que não, que apenas se confirma que o documento está incompleto, e dei o título do dito cujo. Menos de uma hora depois, novo email, a dizer que foram verificar o códice, e que se quiser podem copiar-me o que resta do documento. Já no meu último pedido fotografaram documentos inteiros de que eu não sabia a foliação. Ou seja, deram-se ao trabalho de verem eles onde começavam e onde acabavam. Seria difícil encontrar em Portugal igual gentileza e competência. Eu pelo menos não tenho tido a mesma receptividade na BN, e na Torre do Tombo, apesar da extrema gentileza do pessoal da referência, também ainda não obtive nada de parecido.

sábado, julho 24, 2010

Da caligraphia

Desabituado a escrever à mão em caracteres latinos mais do que uma ou duas linhas esporadicamente, desde que terminei a licenciatura, em 1993 (as "pedagógicas" e o mestrado já os fiz fingindo apenas que tirava appontamentos, para não offender os professores), a minha caligraphia em caracteres latinos há muito que perdeu o "cali", que a bem dizer nunca foi evidente, e se transformou em cacographia. Assim, no início de cada anno recommendo aos alunos que frequentem aulas de paleographia em simultâneo, de modo a entenderem o que escrevo (passe o euphemismo) no quadro. A caligraphia árabe, pello contrário, merece rasgados elogios de todos os árabes que lhe passam os olhos por cima, e vai melhorando a cada dia.

Por isso, depois de escrever 16 páginas à mão, para a tese, ontem e hoje, estou com três problemas graves. Primo, um calo doloroso no cotovelo direito, de o apoiar na cadeira enquanto escrevo. Secundo, uma vaga mas persistente moinha em todas as articulações da mão e braço direitos. Tertio et praesertim, 16 páginas pintalgadas de traços a lápis, que às vezes se parecem vagamente com lettras latinas, mas que rapidamente descambam para uma linha contínua com arrebiques, ondinhas e pintinhas, que vou ter uma tremenda difficuldade em entender, quando daqui a pouco começar a passá-las para o OpenOffice (eu cá não sou rico nem pyrata, só uso programmas gratuitos).

sexta-feira, julho 23, 2010

Dies Dominicus

Ainda que admita ser falha minha, nunca entendi os argumentos para proibir que abram ao Domingo as poucas superfícies comerciais que ainda não o fazem. Não consigo entender sobretudo aqueles que dizem que é para defender o comércio tradicional (proteccionismo, portanto). Mas defender como? Alguém no seu perfeito juízo acha que quem for impedido de ir ao Jumbo ou ao Continente ao Domingo à tarde vai esperar pela Segunda de manhã para ir às compras? E o mesmo argumento não deveria impor o encerramento de todos os estabelecimentos e serviços à mesma hora (que nunca se lembrem dessa)?

Depois há os argumentos religiosos e morais, que se prendem com a ideia de que o Domingo é o dia do Senhor e que é para estar com a família. Ou seja, só o é para os trabalhadores de hipermercado, pois não vejo - FELIZMENTE - os mesmos argumentos serem utilizados para impor o encerramento de TODOS os estabelecimentos e serviços ao Domingo. Mas bastaria ser um argumento religioso a impor regras à sociedade civil, incluindo aos que, como eu, não são religiosos, bastaria isso para me opor frontalmente.

Há ainda o argumento de que se sacrificam os trabalhadores. Também aí há algo que não entendo. Partindo do princípio (não garantido) de que trabalham mais horas, não ganham mais também? E, de novo, por coerência não se devia aplicar a mesma objecção a todos os estabelecimentos e serviços abertos todos os dias?

Nada disto faz sentido para mim.

quarta-feira, julho 21, 2010

Do Serviço Nacional de Saúde

Ontem fui à consulta do otorrino, no Hospital público (não sou rico e não alimento seguradoras senão no que é obrigatório por lei). A marcação da primeira consulta já tinha sido relativamente rápida, cousa de 1 mês - pouco mais que das vezes a que tive de recorrer ao privado, na ilusão de que seria mais rápido.

A sentença do médico foi peremptória: o meu nariz por dentro tem mais curvas do que a A8, é preciso operar. Pensei que não seria necessário dizer-lhe que não me dava jeito para já, que tinha uma merda de uma tese para entregar até Outubro. Achei que como era "no público" ia para uma lista de espera de meses ou anos, sendo uma intervenção sem qualquer urgência. Ainda assim, por descargo de consciência, disse a medo que não me dava jeito que fosse antes do fim do ano.

Achei que ele se ia rir na minha cara, e dizer qualquer cousa como "qual ano, 2011, 2012?". Mas não. Abanou a cabeça e disse que então não podia marcar já, porque o mais provável é que a operação fosse para dentro de um mês ou dois. Pasmei, e lá deixámos a cousa em águas de bacalhau da Terra Nova. No fim trocámos bacalhauzada, desejou-me boa sorte para o doutoramento, e acrescentou que no caso dele nem pensava em doutoramentos, pois queria era que o deixassem trabalhar. Eu assenti vigorosamente e lá me fui.

domingo, julho 11, 2010

Ainda a carroça e o Ferrari

Missão: instalar uma Canon MP270 em Windows XP e em Linux (ubuntu), recorrendo aos drivers fornecidos pelo fabricante.

Windows: depois de alguns cliques e várias janelas de diálogo, o software diz que vai demorar 16 minutos. No fim foi coisa de 5 ou 6.

Linux: um clique, dois cliques, alguns segundos (nem 20). Já está.

sexta-feira, julho 02, 2010

As tetas da loba

«O latim é uma língua muito subtil, toda de sons e de sentidos condensados, rebelde à grosseira tendência perifrástica das nossas línguas vulgares, que têm a mania de trocar tudo em miúdos. O célebre 'dente de coelho' dos padres-mestres não passa de um atestado da sua ignorância e preguiça. Bem dizia o meu mestre de latinidade, em Liège: "O latim não está no Magnum Lexicon: é cá uma coisa do sangue". Nem parece senão que o estou a ouvir: "La Louve tend ses tétines. Prends-y ton bien".»

Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal

quinta-feira, julho 01, 2010

A fada dos arrotos

Já tinha reparado que os desenhos animados andam muito escatológicos. São cada vez mais comuns aqueles em que os bonecos - mesmo os bonzinhos - se desfazem em ventosidades por cima e por baixo. Mas a cousa está mais grave do que pensava. Hoje a Carolina estava a jogar um jogo de fadas - FADAS, notai bem - no computador, que consistia em pôr as ditas fadas - fadas, pelamordedeus - a comer cerejas. E sim, a cada duas ou três cerejas as fadas - fadas, senhores!!! - arrotavam com estrondo, para gáudio dos miúdos (vede o filme até ao fim). O tempora!