sexta-feira, julho 31, 2009

Um, dois, três, maltês


A Carolina e o Manuel deliram com este livro de absoluto nonsense, e que me obrigam a ler repetidamente:
Nadia Budde, Um Dois Três Maltês
Editor: A Cobra Laranja
ISBN: 9789729881817

quinta-feira, julho 30, 2009

De senectute

eu, em 1990, aos 18 anos, segundo um amigo que quando fez o desenho só me conhecia de vista

Passei hoje por um cartaz publicitário qualquer que dizia qualquer coisa do tipo "e se voltasse a ter 17 anos". Eu, como tenho uma mente demasiado ociosa, pus-me a pensar e veio-me imediatamente a imagem do puto-eu de há 20 anos, de cabelo no ar uns bons 10 centímetros encharcados em gel, brincos às dúzias a escorrer das orelhas esticadas pelo peso (juro), expressão permanentemente enfadada debaixo das borbulhas, as t-shirts pretas, as calças rotas e os joelhos sempre à mostra, as botas militares ou de biqueira de aço ou de plataforma, o andar encurvado. Depois lembrei-me da escola, de como toda a gente olhava para mim com um misto de medo e perplexidade (eram os anos 80, não se viam coisas destas na província), dos intervalos entornados com outros 2 ou 3 "outcasts" nas traseiras da escola a fumar cigarros e a murmurar como a sociedade era injusta e não nos percebia. E de quando fui fazer as provas específicas de Latim e de Grego à FLUL, no Verão de '89, e de como os outros examinandos me olhavam de lado e eu percebi que tinha de apresentar um ar mais civilizado quando as aulas começassem para não ser outra vez um "outcast".

Lembrei-me disto tudo e rosnei um "irra deusmalivre". Depois reparei no que significava aquilo que tinha acabado de praguejar, e fiquei deprimido para o resto do ano.

domingo, julho 26, 2009

It is meet to be here. Let us construct a watercloset.


«-- Imperium romanum, J.J. O'Molloy said gently. It sounds nobler than British or Brixton. The word reminds one somehow of fat in the fire.

Myles Crawford blew his first puff violently towards the ceiling.

-- That's it, he said. We are the fat. You and I are the fat in the fire. We haven't got the chance of a snowball in hell.

The Grandeur that was Rome
-- Wait a moment, professor MacHugh said, raising two quiet claws. We mustn't be led away by words, by sounds of words. We think of Rome, imperial, imperious, imperative.

He extended elocutionary arms from frayed stained shirtcuffs, pausing:

-- What was their civilisation? Vast, I allow: but vile. Cloacae: sewers. The Jews in the wilderness and on the mountaintop said: It is meet to be here. Let us build an altar to Jehovah. The Roman, like the Englishman who follows in his footsteps, brought to every new shore on which he set his foot (on our shore he never set it) only his cloacal obsession. He gazed about him in his toga and he said: It is meet to be here. Let us construct a watercloset.

-- Which they accordingly did do, Lenehan said. Our old ancient ancestors, as we read in the first chapter of Guinness's, were partial to the running stream.

-- They were nature's gentlemen, J.J. O'Molloy murmured. But we have also Roman law.

-- And Pontius Pilate is its prophet, professor MacHugh responded.»

James Joyce, Ulysses

Acabar bem o dia . 13



Inozzenzo Alberti (1535-1615), Pavana & Gallarda
Hespèrion XXI, Jordi Savall

Humilhadas e Ofendidas


Francisco Louçã, com o seu eterno ricto de virgem ofendida a deformar-lhe o fácies clerical, acusa, naturalmente sem provas, que o PS ofereceu à independente Joana Amaral Dias o 2º lugar nas listas de deputados por Coimbra, bem como a presidência do IDT ou um cargo no governo. A dita Joana não confirma a notícia, nem desmente. A ser verdade, ela teria recusado, e tendo recusado, porque não viria agora defender ela mesma a sua honra? Enfim, mistérios insondáveis.

A audácia socialista! Atreverem-se a convidar uma cidadã independente para ser deputada! E ainda por cima oferecer-lhe um lugar de deputada, imagine-se, numa lista de candidatos a deputados! Repito: numa lista de candidatos a deputados! Pode lá ser!!!! Então convida-se alguém para integrar uma lista de deputados e em contrapartida oferece-se um lugar de deputado? Faz muito bem o sr. Loução em gemer de ofensa ofendida! O que é que virá a seguir? Oferece-se a titularidade a uma contratação de um jogador de futebol?! Deixa-se abrir uma loja alguém a quem foi dada autorização para abrir uma loja?! A pouca vergonha! O escândalo!

Diz ainda o sr. Louçã , entre lágrimas, que o alegado convite teria como alegada contrapartida a presidência do IDT. Pode lá ser, oferecer-se um lugar de confiança política a uma pessoa a quem alegadamente se deu confiança política? Até onde se chegará? O próximo Primeiro-ministro nomear como ministro da defesa uma pessoa de confiança? Ou entregar outros cargos de confiança política a pessoas em quem tem confiança política? A pouca vergonha! O escândalo!

E como se não bastasse, ainda se oferece um lugar no governo, que é formado normalmente por deputados eleitos nas listas do partido vencedor, para onde alegadamente se teria convidado a dita senhora? Oh ignomínia! O que faltará para o descrédito completo? O próximo Primeiro-ministro ser deputado do partido mais votado?! A pouca vergonha! O escândalo!

Ainda bem que temos a Vestal Louçã a denunciar estas ignomínias...

sábado, julho 25, 2009

O sinal de Deus


Deixo aqui mais um excerto de um sermão de um Auto da Fé seiscentista. O pregador deste foi Frei Manuel dos Anjos, e a festança deu-se em Évora, no dia 21 de Junho de 1615. Transcrevo do original, conservando grafia e pontuação.

Desenganayuos judeus que isto he castigo quereruos Deos trazer ẽnforcados como diz saõ Chrisostomo em vossas esperanças viuos, pera que assi andeis sempre em vossas conciencias mortos. Caym depois que matou a seu irmão Abel, pòslhe Deos em seu corpo hum sinal & dizem Eusberio & Chrisostomo q̃ lhe creceraõ hũs tremoros no corpo que o faziaõ andar de hũa parte pera a outra sempre com tremor, sempre conhecido: esse mesmo castigo deu Deos aos judeus depois da morte que deraõ ao innocente Abel CHRISTO IESV seu Deos & irmão, & foi que andasseis pelo mundo desterrados, eylos em Persia, eylos em França, ora em Alemanha, ora em Hespanha, & isto tão medrosos que atee da terra em q̃ poem os pees tem medo & pos nelles Deos hũ sinal, não sey que tal que logo os conhecem por gente apartada de Deos & que anda em continuas esperanças & ansias pelo Messias que naõ tendes que esperar.

quinta-feira, julho 23, 2009

Crime e sua compensação

Os lampiões invadiram o campo à pedrada, a FPF decide punir com derrota o Sporting e os lampiões, atribuindo assim o título aos lampiões. É caso para dizer que o crime compensa. Fica aqui o segredo para a próxima vez que um título depender de um empate: os adeptos da equipa que precisar do empate invadem o estádio correndo tudo à pedrada, e está o assunto resolvido.

quarta-feira, julho 22, 2009

Só não o crucificastes porque não estáveis lá, seus malandros


Parece que me estais dizendo: Padre, nòs naõ fomos os que crucificamos a Christo, nossos pays foraõ os que o puzerão na cruz, esta foi a consumação do seu pecado, elles forão os que acabaraõ de encher a medida: logo não somos peiores q elles. Ainda assi sois peoiores, porque primeiramente tal he o odio q tendes a Christo Senhor nosso, verdadeiro Redemptor, & Saluador, que entendo que estallais de raiua, & de inueja; ou porque naõ viuieis no tempo que elle andaua no mundo, para o crucificardes com vossos pays; ou porque vedes adorado, & venerado aquelle mesmo Senhor a quem vossos pays crucificáraõ.
Frei António das Chagas
Sermão pregado no Auto da Fé de
11 de Outubro de 1654, em Lisboa


Este sermão foi publicado em Lisboa, em 1654, e dedicado a D. Luísa de Gusmão, mulher de D. João IV. Pode ser consultado na BN.

terça-feira, julho 14, 2009

Anunciação

Sendo agnóstico mas respeitando o mais que posso as crenças dos outros (talvez por inveja, porque gostava de ter fé) sinto-me bastante à vontade para criticar, mas sobretudo para elogiar ou simplesmente comentar a religião dos outros. Sobretudo tenho uma tremenda curiosidade em conhecer o Deus ou os deuses dos outros. Por isso leio regularmente a Bíblia e o Alcorão - embora este mais para aperfeiçoar o meu árabe. Coisa que não fazem muitos crentes e sobretudo não crentes, alimentando com a sua ignorância o preconceito e o ódio. Isto é particularmente grave quando se trata do Islão, religião muitíssimo próxima do Cristianismo (cresce, no início, sobre uma heresia cristã), mas que tantos confundem com as paranóias de uma minoria fundamentalista.

A verdade é que há secções do Alcorão que lembram inequivocamente os Evangelhos - e não é coincidência. Por exemplo, o relato da Anunciação. Pois é, é que os muçulmanos acreditam na Imaculada Conceição e veneram a Virgem como mãe de Jesus ('Iça ibn Mariyam, "Jesus filho de Maria"). O seu respeito pela Mãe de Deus dos cristãos chega ao ponto de lhe dedicarem integralmente a 19.ª sura (capítulo, livro) do Alcorão, apropriadamente chamada suratu Mariyam (Sura de Maria), que compreende nada menos do que 98 versículos.

Entre outras coisas, a suratu Mariyam relata a Anunciação, nestes termos (tradução apressada a partir do árabe, mas podem achar-se muitas na internet, bem melhores e aprovadas por quem de direito):

(15) e recorda no Livro a Maria, quando se afastou do seu povo para um lugar a Leste, (16) e escondeu-se deles com um véu, e então enviámos sobre ela o nosso Espírito, e tomou o aspecto de um homem. (17) Disse ela: refugio-me de ti no Misericordioso, se O temes. Disse ele: eu sou mensageiro do teu Senhor para te dar um filho puro. (19) Disse ela: como posso ter filho se nenhum homem me tocou e sou casta? (20)Disse ele: assim disse o teu Senhor: isso é simples para Mim, e fá-lo-ei sinal para os homens e misericórdia da Nossa parte.

segunda-feira, julho 13, 2009

A direita agradece

Esta é a grande diferença entre esquerda e direita em Portugal: a direita une-se quando está em causa evitar que a esquerda chegue ao poder ou o mantenha; a esquerda, pelo contrário, prefere manter-se desunida, até porque certa esquerda prefere mesmo é ver a direita no poder, desde que isso significa uma derrota do PS.

domingo, julho 05, 2009

The White Tiger

[Repescado do fundo do baú. Escrito em Dezembro de 2008]


Aravind Adiga, The White Tiger. Atlantic Books, London, 2008
ISBN 978-1-84354-720-4
Preço (Amazon.co.uk): £6,49 / €7,50

At a time when India is going through great changes and, with China, is likely to inherit the world from the west, it is important that writers like me try to highlight the brutal injustices of society. That's what writers like Flaubert, Balzac and Dickens did in the 19th century and, as a result, England and France are better societies. That's what I'm trying to do - it's not an attack on the country, it's about the greater process of self-examination.

Quem o diz é o indiano Aravind Adiga, vencedor do Man Booker de 2008, com o romance The White Tiger, em entrevista ao The Guardian.

Munna, aliás Balram, aliás Ashok, é um empreendedor indiano de Bangalore. Pelo menos é assim que se apresenta por carta ao primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, de visita à Índia. Balram - chamemos-lhe assim, pois é assim que se apresenta durante a maior parte do tempo - acredita que o futuro não pertence ao Branco, mas ao Castanho e ao Amarelo. Por isso apresenta a Jiabao a sua história, como saiu de uma vida miserável numa aldeia nas margens do Ganges, e se tornou um empreendedor de sucesso, na esperança de assim ajudar a China a formar os seus próprios empreendedores. E fá-lo por meio de uma série de cartas, onde, numa escrita aparentemente simples, se traça um retrato arrepiante de uma Índia onde impera a corrupção, o caciquismo, a discriminação, a miséria e o medo. E onde a democracia não passa de um teatro de aparências. Uma Índia feia, por vezes nojenta, que se derrama no Ganges e se passeia miserável nas ruas cosmopolitas de Delhi ou Bangalore, onde para se entrar nos brilhantes centros comerciais têm de se usar roupas caras e apresentar aspecto lavado. The White Tiger é um dos grandes livros de 2008, e exige-se rapidamente uma tradução portuguesa (1). Eu já li, e garanto que é muito, muito bom.

Comecei citando uma entrevista do autor, termino citando um excerto da obra.


The Autobiography of a Half-Baked Indian. That’s what I ought to call my life’s story.

Me, and thousands of others in this country like me, are half-baked, because we were never allowed to complete our schooling. Open our skulls, look in with a penlight, and you’ll find an odd museum of ideas: sentences of history or mathematics remembered from school textbooks (no boy remembers his schooling like one who was taken out of school, let me assure you), sentences about politics read in a newspaper while waiting for someone to come to an office, triangles and pyramids seen on the torn pages of the old geometry textbooks which every tea shop in this country uses to wrap its snacks in, bits of All India Radio news bulletins, things that drop into your mind, like lizards from the ceiling, in the half hour before falling asleep—all these ideas, half formed and half digested and half correct, mix up with other half-cooked ideas in your head, and I guess these half-formed ideas bugger one another, and make more half-formed ideas, and this is what you act on and live with.

The story of my upbringing is the story of how a half-baked fellow is produced.

But pay attention, Mr Premier! Fully formed fellows, after twelve years of school and three years of university, wear nice suits, join companies, and take orders from other men for the rest of their lives.

Entrepreneurs are made from half-baked clay.

Aravind Adiga, The White Tiger


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(1) Já saiu uma tradução, entretanto.

sexta-feira, julho 03, 2009

quarta-feira, julho 01, 2009

Está lá?

"Não posso garantir títulos. Se eu tivesse árbitros em minha casa, podia garantir isso. Não almoço com eles, não janto com eles em minha casa, portanto, não posso garantir isso"
Luís Filipe Lampião, no Record
Pois não, de facto não os recebe em casa: escolhe-os por telefone.