terça-feira, maio 11, 2010

Da mama de ir a Roma


A cousa é mais ou menos assim. Estamos em fins de Janeiro de 1656, ou seja 15 anos depois da Restauração, mais cousa menos cousa. Cousa que está negra, pois a bem dizer só os estados inimigos de Espanha reconhecem a independência de Portugal (França, Holanda, Suécia, Inglaterra e pouco mais). O mais importante de todos, a Santa Sé, continua sem passar cartão a D. João IV: em Roma vamos no terceiro Papa desde 1640, primeiro Urbano VIII, depois Inocêncio X, e agora Alexandre VII, eleito no início de 1655. Todos se recusam terminantemente a receber a título oficial os embaixadores de D. João IV, e, pior, a prover os Bispados de Portugal.

O Reino está, pois, sem Bispos, sem reconhecimento internacional relevante (tirando a França), e à espera a qualquer momento que a Espanha resolva as outras guerras mais importantes, e ataque em força, de modo a recuperar isto. É neste contexto que D. João IV manda para Roma o embaixador Sousa Coutinho, então representante em Paris, para tentar que o novo Papa se dignasse recebê-lo. Inesperadamente, Sousa Coutinho, que chega a Roma em Novembro de 1655, consegue ser recebido menos de um mês depois. Mas a título particular, não oficial, o que é como quem diz: ficou tudo na mesma.

Apesar do fracasso relativo, Sousa Coutinho, que tinha um feitio dos diabos, está eufórico, e acha (e di-lo em carta ao Rei) que conseguiu num mês o que os outros não lograram em 15 anos. O que não deixa de ser verdade: tal como os outros, a bem dizer não conseguiu nada. Mas ele acha que não, acha que a cousa está arrumada (puro engano, só em 1669 se resolve o problema, já Sousa Coutinho estava morto e enterrado havia quase uma década). E numa das muitas e inflamadas cartas que escreve a D. João IV, saiu-se com esta pérola, que não lhe terá granjeado muitas simpatias entre o Clero, e que poderá explicar as más relações que manteve sempre com o Cardeal Protector do Reino, Ursino, e sobretudo o ter sido mandado regressar à base por D. João IV nesse mesmo ano:

O que [o Cardeal Ursino] escreve a Vossa Majestade que o Papa declarou, ou deu a entender que daria Bispos a Portugal, mas que não receberia Embaixador salva pace, cousa é que lhe não saiu nunca pela boca, são openiões (sic) vulgares, particularmente dos nossos frades portugueses, que como de haver Embaixador se segue por consequência infalível terem Núncio no Reino, e tirar-se-lhes a mama de virem a Roma a título de servirem a Vossa Majestade, andam apontando estes meios pelas praças, e pelas casas dos Cardeais.

Carta de Sousa Coutinho a D. João IV, de 28 de Janeiro de 1656
in Corpo Diplomático Português, vol. XIII
pp. 229 & seqq.


Modernizei a ortografia excepto quando reflecte a pronúncia da época. A edição é retirada do Corpo Diplomático Português, edição monumental, ainda que com muitos erros, que não é reeditada desde o século XIX, seguindo uma tradição muito portuguesa, de não reeditar obras de referência.

Nota: aquele senhor bem posto ali em cima é o Papa Alexandre VII (1655-1667)

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