domingo, novembro 16, 2008

Palavra e Utopia

Por razões quase profissionais pus-me há dias a ver Palavra e Utopia, de Manoel de Oliveira. Faço já a minha profissão de fé quanto ao estilo de cinema que me agrada: gosto dos chamados "filmes de autor"; não me aborrecem nada os grandes planos de vários minutos, muito pelo contrário; prefiro filmes sem muito texto; não me interessa nada uma boa história, o que me interessa é a forma como ela é contada. Gosto (venero) de Abbas Kiarostami, Tarkóvski, Gus Van Sant.


Sinto-me portanto à vontade para dizer que não gosto do cinema de Manoel de Oliveira, sem me juntar ao coro das labregas que só querem é tiros e acção e histórias cor-de-rosa com finais felizes de preferência com lagriminha, já que deusnossenhor não lhes deu intelecto para mais. Não gosto do cinema de Manoel de Oliveira porque não é a minha estética.

Uma das coisas que me arrepia é a aparente (eu sei que é só aparente) ausência de trabalho de direcção de actores. No caso presente, o primeiro terço do filme chega a ser confrangedor, com cenas que parecem saídas de um mau teatro de província. O Ricardo Trepa que me perdoe, mas aquele Vieira jovem é aflitivo, e a coisa só não parece pior porque os amadores (são amadores, não são?) que com ele contracenam estão para além de qualquer adjectivo.

A coisa vai melhorando, a este nível, com o envelhecimento de Vieira, e a entrada do grande Luís Miguel Cintra - que ainda assim me parece longe do que lhe tenho visto na Cornucópia. Mas é com esse grande senhor, esse Actor, Lima Duarte, muito bem acompanhado pelo Miguel Guilherme, que o filme entra noutra dimensão. É por esse terço final que o filme vale a pena, quanto a mim. Porque na maior parte do tempo mais me pareceu uma manta de retalhos, um "booktrailler", como agora se diz, de (magníficos) sermões vieirinos.

Admito que me tenha escapado a essência, o segredo da obra de Oliveira. Admito-o com franqueza e convicção. Tenho a absoluta certeza de que o filme é uma fabuloso e de que fui eu que não o entendi enquanto obra de arte. Mas a verdade é essa: não o entendi, e não fosse a excelência do texto vieirino, primeiro, e a genialidade de Cintra e sobretudo Lima Duarte, depois, por mais que fossem quase profissionais as razões que me levaram a vê-lo, não teria resistido às penosas primeiras dezenas de minutos.

4 comentários:

José Bandeira disse...

Olha que o link para o boneco está quebrado.

André . أندراوس البرجي disse...

Obrigado! Já pus lá outro boneco!

Paulo Rodrigues Ferreira disse...

gostei muito de ver o quinto império e o non ou a vã glória de mandar.

Cristina disse...

Ah, André, não me lembro de discordarmos em questões culturais... É que eu adorei o filme! Se calhar porque Vieira me apaixona. Se calhar porque o Luís Miguel Cintra é, de facto, genial (para mim, mil vezes mais que Lima Duarte). Se calhar porque gosto de Manoel de Oliveira. Estamos todavia de acordo quanto ao Ricardo Trepa... É confrangedor!