São muitos os motivos que me levam a recusar-me a ler obras inglesas, francesas ou espanholas em tradução. O primeiro de todos é o da fruição estética; o que perco na inteligibilidade, ganho no contacto com a sonoridade original, a escolha das palavras, a organização do discurso. No fim de contas, ganho mais do que perco. O outro grande motivo é o económico: as traduções portuguesas têm preços obscenos, por vezes o triplo, às vezes o quádruplo do original - e não, não se trata de "pagar o tradutor": mesmo as traduções inglesas de autores de outras línguas são geralmente pelo menos metade do preço das portuguesas.
Vejamos um exemplo. Comprei há algum tempo tradução da Moby Dick, da Relógio d'Água, por recear o inglês um pouco retorcido do original. Ainda assim, arrisquei lê-la na edição inglesa da Penguin Classics. Apesar da dificuldade, não me arrependi. Mas como sou muito curioso, decidi ir ver como resolviam os tradutores da Relógio d'Água algumas situações. Por exemplo, a peculiar linguagem arcaizante dos quakers. Por exemplo, no capítulo 18:
E se ignorar a preciosa musicalidade do texto é já grave (como entenderá o leitor a alusão explícita do narrador à peculiaridade da fala quaker, se na sua tradução não há qualquer peculiaridade?), que dizer daquele "porém" ali metido a martelo? Os tradutores claramente tomaram o pronome pessoal thou pela concessiva though. Lamentável.
Estranha, finalmente, também é a opção de representar o sinal de Queequeg (que dá o nome ao capítulo) não por uma forma redonda, como diz explicitamente o texto (e representa a edição da Penguin), mas por uma cruz. Depois há pormenores menos significativos, como a omissão da versão hebraica do nome "baleia", no início, ou a opção por não numerar os capítulos. Ainda assim, uma tradução muito superior à inenarrável e inapresentável versão publicada numa colecção do Público há uns anos, que entre gralhas e erros omitia todo o capítulo introdutório.
Por fim, o motivo financeiro. A minha edição da Penguin custa, na Amazon, 11,20$, o que dá pouco mais de 7€. A tradução da Relógio d'Água custa, na FNAC, 24€. Mais do triplo.
E não, não se pode justificar com o pagamento ao tradutor. Vejamos outro exemplo. O fabuloso "O meu nome é Vermelho", do Pamuk, custa na tradução (indirecta) da Presença, 22,50€ (via Wook). A tradução inglesa, directa, por onde o li custa, na Amazon.co.uk, 4,11£, ou seja cerca de 4,50€ - cerca de 1/5 da tradução portuguesa, e com a vantagem de ser feita sobre o original. Também o tradutor da edição inglesa terá certamente recebido pagamento.
É por estas e outras que continuarei a ler em inglês, mesmo correndo o risco de não entender algumas palavras. Antes isso do que apanhar com algum "porém" inadvertido.
Vejamos um exemplo. Comprei há algum tempo tradução da Moby Dick, da Relógio d'Água, por recear o inglês um pouco retorcido do original. Ainda assim, arrisquei lê-la na edição inglesa da Penguin Classics. Apesar da dificuldade, não me arrependi. Mas como sou muito curioso, decidi ir ver como resolviam os tradutores da Relógio d'Água algumas situações. Por exemplo, a peculiar linguagem arcaizante dos quakers. Por exemplo, no capítulo 18:
Achei sempre, antes de verificar o português, que a única opção aceitável era usar a 2.ª pessoa do plural, desrespeitando a gramática do inglês, mas conservando o sabor arcaico. Qualquer outra opção apagaria por completo a intencionalidade do original. Mas o que a mim parecia lógico, aos tradutores da Relógio d'Água pareceu retorcido, e, passando uma esponja sobre o original, verteram desta maneira no mínimo sensaborona:
«"Young man," said Bildad sternly, "thou art skylarking with me - explain thyself, thou young Hittite. What church dost thee mean? answer me."»
« - Rapaz - observou Bildad severamente - , estás a divertir-te à minha custa. Explica-te porém, hitita. A que igreja te referes, responde.»
E se ignorar a preciosa musicalidade do texto é já grave (como entenderá o leitor a alusão explícita do narrador à peculiaridade da fala quaker, se na sua tradução não há qualquer peculiaridade?), que dizer daquele "porém" ali metido a martelo? Os tradutores claramente tomaram o pronome pessoal thou pela concessiva though. Lamentável.
Estranha, finalmente, também é a opção de representar o sinal de Queequeg (que dá o nome ao capítulo) não por uma forma redonda, como diz explicitamente o texto (e representa a edição da Penguin), mas por uma cruz. Depois há pormenores menos significativos, como a omissão da versão hebraica do nome "baleia", no início, ou a opção por não numerar os capítulos. Ainda assim, uma tradução muito superior à inenarrável e inapresentável versão publicada numa colecção do Público há uns anos, que entre gralhas e erros omitia todo o capítulo introdutório.
Por fim, o motivo financeiro. A minha edição da Penguin custa, na Amazon, 11,20$, o que dá pouco mais de 7€. A tradução da Relógio d'Água custa, na FNAC, 24€. Mais do triplo.
E não, não se pode justificar com o pagamento ao tradutor. Vejamos outro exemplo. O fabuloso "O meu nome é Vermelho", do Pamuk, custa na tradução (indirecta) da Presença, 22,50€ (via Wook). A tradução inglesa, directa, por onde o li custa, na Amazon.co.uk, 4,11£, ou seja cerca de 4,50€ - cerca de 1/5 da tradução portuguesa, e com a vantagem de ser feita sobre o original. Também o tradutor da edição inglesa terá certamente recebido pagamento.
É por estas e outras que continuarei a ler em inglês, mesmo correndo o risco de não entender algumas palavras. Antes isso do que apanhar com algum "porém" inadvertido.
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