sábado, janeiro 30, 2010

Porque quanto mais vão estudando tanto melhor sabem que não sabem

«Dizem que os Cursistas de Artes no primeyro anno são Doutores, no segundo Licenciados, no terceyro Bachareys, e despoys são nada, porque quãto mais vão estudando, tanto melhor sabem que não sabem: e quanto era menos a luz, era mais a presumpção.»

Pe. Manuel Bernardes (1644-1710)
Luz e Calor
in A. do Prado Coelho (ed.), Clássicos Portugueses. Trechos Escolhidos. Manuel Bernardes I
Clássica Editora, Lisboa 1942

terça-feira, janeiro 26, 2010

Nunca vos enfadeis de o tornar a ler


«Posto que alguũ boõ livro todo leaes, nunca vos enfadees de tornar a o leer, porque algũas cousas entenderedes sempre novamente, que vos farom proveito; e pensae que o seu leer é obra meritoria, e porem é bem assi como vos nom enfadardes de rezar algũas vezes o Pater Noster, e assi algũa cousa cada dia leerdes per el; e nunca tanto tempo leerees, se teverdes boa tençom, que leixees d'achar cousas que vos novamente prazam, ainda que as já leessees.»

D. Duarte (1391-1438), Leal Conselheiro
ed. Rodrigues Lapa, Lisboa, 1940

quinta-feira, janeiro 21, 2010

Nauis, et mulier nunquam satis ornantur


«Mas cheguemo-nos especificamente ao caso de Pelágia, e das que se parecem com ela no estudo dos enfeites, ainda que se não pareçam na gentilidade, nem na gentileza, nem professem mau viver, senão somente bem parecer. Quanto é necessário de tempo de estudo, de cuidado para se pôr à vela uma destas naus? Bem lhes chamei naus; porque já Plauto disse: Nauis, et mulier nunquam satis ornantur: a nau e a mulher nunca se dão por bastante equipadas. E concorda o adágio de Terêncio: Dum mulitur, dum comuntur annus est: Mulheres enquanto se apercebem, enquanto se enfeitam, lá vai o ano.»

Pe. Manuel Bernardes (1644-1710)
Excerptos da «Nova Floresta»
Mário Gonçalves Viana (ed.), ed. Educação Nacional, Porto, 1942

quarta-feira, janeiro 20, 2010


«sentado, meditado ficarás,
na poeira que os tiros levantaram,
nas ruas devastadas contra o mar;
com a sombra da luz a desenhar-te
o perfil do perfil, imperceptivel,
em vasto chão ardido;

a máquina, metálica, movendo
os altos fios do tecto suspendidos
sobre os surpresos dedos, não a pena:
bebendo, pela tarde, o vinho fresco,
o cigarro de sal oferecido
pelo moço mais dócil e sombrio;

ameaçando o céu, secreto, rindo
talvez para o poente, aonde vibram
as lanternas do vento sobre a espuma;
à mesa, o mais sereno, acorrentado,
imóvel, mas movendo a mão do tempo,
ausente, respirando a maresia.»


António Franco Alexandre

segunda-feira, janeiro 18, 2010

Länge leve Sverige!


Às vezes é nas pequenas coisas que se percebe porque é que certos países são ricos e outros se arrastam na lama.

No início do Verão de 2008 encomendei na Biblioteca Nacional uma digitalização em suporte DVD de um impresso português de 1647. Depois de preenchida a papelada em duplicado, esperei vários meses, e arrotei cerca de 70€ - que só não foram mais porque fui buscar em mão o dito cujo, que só me foi dado quando apresentei toda a papelada a comprovar que tinha entornado o carcanhol no balcão a 3 metros de distância.

No dia 31 de Dezembro de 2009 enviei um email à Biblioteca Nacional da Suécia a perguntar se seria possível fazerem-me uma digitalização de um impresso português de 1641, de dimensão semelhante ao referido ali em cima. Poucas horas depois tinha uma amável resposta a dar-me as indicações necessárias para a encomenda. No dia 4 de Janeiro de 2010 enviei por email o meu pedido, sem mais formalidades que um "Dear sirs" no cabeçalho. Hoje, dia 18 de Janeiro de 2010, duas semanas depois, recebi o meu DVD por correio - antes de pagar, o recibo vem lá dentro - na Suécia não partem do princípio de que o cliente é um ladrão em potência. O preço? 229 coroas suecas, ou seja 22€, mais coisa menos coisa, portes de envio incluídos.

Não é por isto que a Suécia é um dos países mais desenvolvidos e ricos do mundo, mas é um sintoma de uma mentalidade que infelizmente não existe por cá. É em dias como estes que me apetecia ter nascido uns milhares de quilómetros mais a Norte (tirando estes, são os outros dias todos).

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Os fins com que a mocidade os inquieta


«Quanto às musicas do tempo tambem he grande o detrimento, que nellas padece a Castidade. Porque assim como o canto grave, e devoto ajuda a levantar o espirito gerando nelle bons pensamentos, e saudades da Patria Celestial; e por isso se usa nas Igrejas entre os Divinos Officios: assim as sarabandas, e modos muy festivos, e picados, o distrahem, affeminão, e corrompem; e por isso se usa nas comedias, nas ceas nupciaes, e nas musicas, e discantes dos que de noite fazem pé de janella para os fins, com que a mocidade os inquieta.»
Pe. Manuel Bernardes (1644-1710)
Armas da Castidade
in A. do Prado Coelho (ed.), Clássicos Portugueses. Trechos Escolhidos. Manuel Bernardes II
Clássica Editora, Lisboa 1943

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Do inferno



«Muito caminho tem andado o Homem para o Céu, só com ser cristão. Mas saiba que, se não for bom cristão, também tem andado muito para o Inferno; porque o Inferno dos maus cristãos é mais profundo que o dos não cristãos.»

Pe. Manuel Bernardes (1644-1710)
Leituras Piedosas e Prodigiosas, ed. António Coimbra Martins, Bertrand, 1962

sábado, janeiro 09, 2010

Modem ZTE MF 627 em Linux (Ubuntu)

Como a ZON resolveu acabar com o ADSL, e não me apetecia voltar para a Sapo, resolvi aderir à net 3G da ZON Mobile. O modem ZTE MF 627, no entanto, só traz instalação para windows... Como eu gosto demasiado dos meus computadores para lhes prantar sistemas operativos da tanga, cá em casa não se usa disso. Tive, portanto, de procurar na net a maneira de pôr isto a funcionar (usando ainda o ADSL). Apesar da normal confusão devida à iliteracia de muitos dos informáticos, acabei por me safar, e o processo é muito simples.

Primeiro é preciso instalar os drivers do modem. Isso consegue-se, no Ubuntu, adicionando às fontes de software as duas últimas linhas da imagem:


Seleccionar em seguida o separador "autenticação", e instalar o ficheiro previamente retirado daqui.

Depois de actualizar (o próprio programa encarrega-se de chatear a pedir isso), toca a instalar o pacote seguinte (carregar na imagem):



Feito isto, é só acrescentar no gestor de rede uma nova ligação, com os seguintes dados:

Nome - zon
APN - internet.zon.pt

No separador IPv4 acrescente-se os DNS: 212.18.160.133

E pronto. Reiniciar a máquina, espetar o modem USB, lado direito do rato em cima do ícone da ligação de rede, seleccionar 'zon', e já está.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Dos anos 80

Tropecei numa reposição do Miami Vice, num canal do cabo. Depois de mirar durante alguns minutos a trunfa e as roupas dos alegados galãs, dei graças por nos anos 80 estar obcecado em ser diferente e em usar cabelos estranhos e roupas esquisitas (mas que se tornaram muito populares nos anos 90 e já neste século), em vez de seguir aquilo a que só com muito sentido de humor se pode chamar "moda".

quarta-feira, janeiro 06, 2010

A vingança de Kafka

Já aqui narrei o processo kafkiano em que me vi envolvido para conseguir o milagre de uma consulta de alergologia no SNS. Recordo e resumo: depois de ter passado algum tempo sem consulta, por indicação do próprio médico, dirigi-me ao Hospital Distrital de Torres Vedras, como habitualmente, e solicitei marcação, como fiz com as anteriores consultas. Foi-me recusado, porque para marcar consulta primeiro tinha de ir à consulta para o médico me marcar consulta. Convencido de que a senhora estava bêbeda, à falta de outra explicação racional, dirigi-me ao hospital de doenças pneumológicas, onde de facto são as consultas, e outra senhora certamente bêbeda repetiu a recusa com os mesmos argumentos delirantes.

Por recomendação de amigos e familiares, fiz queixa. Mandei um email à Administração Regional de Saúde, com cópia para o Centro Hospitalar de Torres Vedras. Recebi resposta da ARS, a dizer que tinham contactado o CHTV a pedir esclarecimentos. Isto foi há 3 semanas. Do CHTV nem sequer um acusar de recepção, nem uma justificação. Nada. Neste fim-de-semana voltei a contactar a ARS, dizendo que do CHTV só tinha obtido um silêncio burocrático.

Hoje chegou-me pelo correio uma cartinha do CHTV a dizer que tinha consulta marcada dentro de 2 semanas. Uma carta igualzinha a outras que sempre recebi em circunstâncias semelhantes para outras especialidades, mas que, inexplicavelmente, me estava até agora a ser recusada pelo CHTV. Quando no dia da consulta for registar ao balcão, se for a mesma senhora vou-lhe perguntar se custou assim tanto.

Fazer queixa resulta mesmo, embora seja lamentável que numa situação tão simples como esta eu tenha sido forçado a fazê-lo. E é pena que neste país as pessoas geralmente prefiram amochar em vez de se queixarem junto das entidades competentes. É que resulta mesmo.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

In memoriam

Lhasa de Sela
1972-2010


Soon this space will be too small

And I'll go outside
To the huge illside
Where the wild winds blow
And the cold stars shine

I'll put my foot
On the living road
And be carried from here
To the heart of the world

I'll be strong as a ship
And wise as a whale
And I'll say the three words
That will save us all
And I'll say the three words
That will save us all

Soon this space will be too small
And I'll laugh so hard
That the walls cave in

Then I'll die three times
And be born again
In a little box
With a golden key
And a flying fish
Will set me free

Soon this space will be too small
All my veins and bones
Will be burned to dust
You can throw me into
A black iron pot
And my dust will tell
What my flesh would not

Soon this space will be too small
And I'll go outside
And I'll go outside
And I'll go outside

domingo, janeiro 03, 2010

O conceito misterioso

Datado de 1639, o Philippus Prudens de Caramuel Lobkowitz é uma obra monumental, sob todos os pontos de vista. O tema único é a demonstração dos direitos dos Reis de Castela e Leão sobre Portugal, que, recorde-se, estava unido à Coroa de Castela desde 1580. Este grosso volume não surge em 1639 por acaso: acossada Madrid por guerras em várias frentes (Flandres, Catalunha, França), a revolta portuguesa, apoiada pela França, era previsível, sobretudo depois da grande revolta do "Manuelinho", iniciada em Évora em 1637 (1). Monumental, já o disse, as mais de 450 páginas deste volume serão a base da argumentação afecta a Castela, desde 1640 até à paz de 1668 - e, naturalmente, da contra-argumentação portuguesa. Mas disso se falará em outro dia, se tiver pachorra.

Em seguida apresento a página de rosto do livro. Depois, e a explicação da sua simbologia, em tradução provisória e relativamente apressada. Alguns aspectos só se podem entender no original, como o jogo que é feito entre o nome do Leão animal ("Leo") e do Reino de Leão ("Leo" e "Legio"). Fui também obrigado a dar uma ou outra beliscadela na tradução do epigrama final, de modo a respeitar a posição das palavras-chave no original.

Finalmente, apresento o original em língua de gente educada e civilizada - ou seja, no original latino. Que les aproveche.

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(1) Certamente não é também coincidência que a primeira reacção a este Philippus seja precisamente impressa em França e em francês, em 1640, pouco antes do 1.º de Dezembro.




«A cabeça do Dragão é uma secção da órbita da Lua e do Zodíaco. Tem movimento retrógrado, de acordo com a definição de Copérnico: cada dia três minutos, e consequentemente cada ano 19 graus e 20 fracções. É por isto que a cabeça do Dragão muitíssimas vezes ficará sob o signo de Leão, e, sacudindo o jugo, muitas vezes regressará. O Dragão celeste foge do Leão, mas há-de voltar.

O Leão coroado significa o Rei de Leão – direi mais, o seu Reino, que outrora se chamava “Leo”, mas hoje se chama “Legio”. O Dragão posto sobre o escudo de Portugal é símbolo da Lusitânia. Esta outrora estava sob o domínio do Rei de Leão: com efeito, reinava em Leão e Portugal Afonso o Grande, o qual deu Portugal a seu filho Ordonho. Foi a Lusitânia separada de Leão, mas haveria de regressar, pois no início do ano de 1064 encontro Fernando o Grande Rei de Castela, Leão e Lusitânia. Após a sua morte, de novo se separou a Lusitânia de Leão, com Garcia por rei próprio. De novo Afonso VI de Castela separa a Lusitânia, [então] unida a Leão, enquanto domínio de propriedade, no ano de 1094, ao dar a sua filha Teresa ao Conde Henrique, e em dote o invicto Condado de Portugal. Até que Afonso, filho de Henrique e Teresa, arrebata este Reino a Leão, enquanto suprema jurisdição, quando é coroado contra a vontade do Rei de Leão. Eis que a Lusitânia tantas vezes se despediu do poderoso Rei de Leão – mas haveria de regressar.

Finalmente, sob os auspícios de Filipe o Prudente, Rei de Leão, é subjugada, e não mais há-de partir.

Eis uma curiosa analogia, se te agrada a contemplação dos astros: compara o Dragão da Lua com o Leão, tal como ao Rei de Leão o Dragão Lusitano. A um e outro se aplica este epigrama, sobreposto ao desenho, e explicando o conceito misterioso.

Tantas vezes foge o Dragão (a) ao signo de Leão que tantas vezes voltará
e tantas vezes o pescoço soberbo restituirá ao pé:
Não fugirá, é justamente capturado; defender sabe, PRUDENTE (b),
com mão (c) armada defender os seus direitos o LEÃO.

(a) A Lusitânia.
(b) Filipe o Prudente, como Rei de Leão
(c) Mão, isto é: exércitos.

***

Caput Draconis sectio est Lunae Orbitae Zodiacique: retrocurrit, iuxta Copernici definitionem, singulis diebus, tribus minutis, ac propterea singulis annis grad. 19 & 20 scrup. Hinc est quod Draconis caput saepissime subfuerit Leonis signo, & saepe iugum excutiens fuerit regressum. Caelestis Draco, sed reuersurus, Leonem effugit.

Leo coronatus, Regem Leonis indigitat; illius, inquam, Regni, quod Leo olim, sed Legio inpraesentiarum nominatur. Draco Portugallensi scuto impositus, index est Lusitaniae. Haec olim Leonis Regi suberat: Leoni enim & Portugalliae praerat Alfonsus Magnus, qui dedit Ordonio filio suo Portugalliam. Separata fuit a Leone Lusitania, sed reuersura; quia sub principium anni 1064 reperio Fernandum Magnum Castellae, Leonis, & Lusitaniae Regem: post cuius obitum iterum a Leone discessit Lusitania sub Garcia proprio Rege. Iterum vnitam Leoni Lusitaniam separat, quoad proprietatis dominium Alfonsus VI Castellae Rex anno 1094 dans Tarejam filiam suam Comiti Henrico, & in dotem Comitatum inuictae Portugalliae: quoad supremam iurisdictionem, a Leone hoc Regnum abstrahit Alfonsus Henrici atque Tarejae filius, cum inuito Leonis Rege coronatur. Ecce Lusitania saepe, reuersura tamen, inuicto Leoni valedixit; tandem auspiciis Philippi Prudentis, Leonis Regis, numquam discessura, subigitur.

Ecce curiosam proportionalitatem, si caelestium contemplatione delecteris: ita Lunarem Draconem Leoni compara, vt Regi Leonis Lusitanicum. Vtrumque respicit hoc Epigramma delineationi superpositum, & explicans conceptum mysteriosum.

Saepe reuersurus fugit (a) Draco signa Leonis,
Saepeque restituit colla superba pedi:
Nec fugiet. Capitur iuste; defendere (b) PRVDENS
Armatis (c) manibus scit sua iura LEO.


(a) Lusitania.
(b) Philippus Prudens qua Leonis Rex.
(c) Manibus id est exercitibus.