segunda-feira, julho 11, 2005

Era uma vez um arrastão

Quem tivesse estado sereno e atento durante a histeria provocada pelo alegado "arrastão" de Carcavelos já se teria apercebido de que nem tudo o que parecia era. Com efeito logo no dia seguinte o fabuloso número de 500 assaltantes foi desmentido, tendo-lhe sido retirado um zero e mais uns pozinhos. Não deixava de ser grave, mas entre 30 ou 40 e 500 vai uma grande distância. Agora prova-se, pela boca do Comandante Metropolitano da PSP de Lisboa, que realmente não houve "arrastão" nenhum. Tudo não passou de alguns assaltos levados a cabo por alguns dos elementos de um grupo maior. É grave, ainda assim, mas convenhamos que não é bem a mesma coisa.

Poderia não passar de mais um lamentável exagero de alguma comunicação social (foi pena a outra, mais séria, ter ido a reboque...), se não tivesse consequências muito graves a ní­vel social. A verdade é que, apesar de todos os números o desmentirem, cresce na população portuguesa a ideia de que a insegurança é cada vez maior, de que a criminalidade aumenta, de que começa a ser perigoso sair à rua. Todos os números o desmentem. Mas quando as pessoas acham que a insegurança aumenta, não há nada a fazer. O clima de pânico está instalado. E no entanto todos os números mostram que a criminalidade tem descido nos últimos anos.

Os números e a memória. Quem conheceu Lisboa há uns 10 anos e quem a conhece agora sabe do que estou a falar. Apesar de continuar a ser uma cidade com criminalidade, apesar de haver assaltos diariamente, não há qualquer comparação com o que se passava há poucos anos. Vejamos, por exemplo, a zona da Cidade Universitária / Campo Grande. Quando eu era estudante na Faculdade de Letras (1989/1993) os assaltos eram diários e frequentes, naquela zona. Eu próprio fui assaltado por brancos, no Campo Grande em pleno dia. Na Cidade Universitária os assaltos eram constantes, quer na Alameda quer mesmo no recinto das faculdades. Um professor meu foi assaltado enquanto se deslocava de um pavilhão para o edifício central. A coisa era de tal maneira que houve manifestações a exigir policiamente a cavalo. Hoje, mais de 10 anos depois, faço o percurso entre a FLUL e o metro do Campo Grande com relativo à vontade. Nos finais dos anos 90 fazia mesmo esse percurso diariamente, sem quaisquer incidentes. Também desde finais dos anos 90 que dou aulas no perí­odo nocturno, na FLUL, e saio às 22h. Até agora não tive qualquer problema, nem tenho notí­cias de quaisquer incidentes. No iní­cio dos anos 90, recordo, os assaltos no Campo Grande e na Cidade Universitária eram às dezenas por dia. Hoje se os há são tão poucos que não me chega notí­cia de nenhum há muitos anos.

Houve também algum histerismo, acicatado pela SIC, em relação aos problemas nos comboios da Linha de Sintra. Curiosamente não foi dado qualquer relevo às notí­cias que indicavam uma diminuição muito significativa desses mesmos problemas nos últimos anos.

Este tipo de jornalismo sensacionalista dá uma ideia distorcida da realidade, que provoca na população menos esclarecida um sentimento de insegurança desporporcionado, como se pode comprovar nas conversas de rua e nos vox populi de diversos jornais. Quem se aproveita disto? Por enquanto apenas alguns movimentos marginais. Mas não tardará o dia em que o populismo xenófobo fará a sua entrada em grande na política portuguesa.

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