O PS esteve meses a fio - anos - sem candidato presidencial. No espaço de poucos dias, no entanto, surgiram três pré-candidatos passíveis de serem apoiados pelo partido: Freitas do Amaral, Manuel Alegre, Mário Soares, por ordem de aparecimento e de probabilidade. Com efeito, se Freitas se limitou a um "nunca digas nunca" e Manuel Alegre esboçou um "estou disponível", Soares afirma claramente que vai "reflectir e contactar sectores muito alargados da sociedade portuguesa". Esta presumível candidatura ("mais do que provável", dizia-se hoje na SIC-N) é sem sombra de dúvida a mais forte candidatura de esquerda, mesmo mais do que a de Manuel Alegre, que mais do que provavelmente fica assim abortada à nascença. Apesar de eu estar convencido de que Alegre tinha condições para vencer Cavaco, a imagem que estava a passar era a de que se tratava apenas de uma candidatura "para perder por poucos". Como se sabe, nada pior para uma candidatura de qualquer espécie do partir com essa ideia (apesar de a primeira vitória presidencial de Soares ser a excepção que confirma a regra). Com Soares é diferente. É o único candidato à esquerda que desde há muito tem uma imagem ganhadora, aparecendo em várias sondagens muito perto de Cavaco - a uma distância suficientemente curta para poder ser batida em pré-campanha e em campanha, com o reconhecido carisma de Soares, e a sua capacidade para mobilizar e concentrar multidões à sua volta. Lembro-me de fazer em 1985, com 14 anos, a campanha para a primeira volta. Lembro-me de ser o único miúdo da escola com um "crachá" do M.A.S.P., de ser uma espécie avis rara no meio do oceano freitista que tomava então conta de Portugal. Ou daquela noite em que fui com a minha mãe, quase clandestinos, a uma sessão de esclarecimento do PCP, onde se apelava ao voto em Soares contra Freitas - a minha mãe ia com um lenço na cabeça, para não ser reconhecida. Só quem não viveu aqueles anos é que pode achar estranho dois socialistas irem clandestinos a uma sessão do PCP. Lembro-me também da alegria incontida na noite da vitória, na segunda volta, daquelas pessoas todas na rua. Lembro de passar em frente à sede do PCP, e de haver centenas de comunistas a saltar e a chorar de alegria, a abraçar-nos. E só quem não se lembra do que era Portugal nos anos 80 é que não se espanta com isto. Lembro-me de ter acreditado sempre, mesmo quando os primeiros resultados davam percentagens esmagadoras para Freitas. Para quem não se lembra, na altura só a meio da noite apareciam as primeiras projecções, e aquilo que nos ia sendo dado eram resultados provisórios, que começavam em Macau e iam descendo de Norte para Sul. Ora era precisamente em Macau e no Norte que Freitas tinha os seus maiores apoios. Mas no fim a vitória sorriu-nos a nós, pessoal de esquerda. Então como agora todos apostavam na vitória do candidato da direita. Faço votos de que agora como então acabe por ser o candidato da esquerda - seja ele quem for - a vencer.
segunda-feira, julho 25, 2005
sábado, julho 23, 2005
Ainda a demissão do ministro das finanças
Agora que se vão sabendo mais pormenores, a demissão de Campos e Cunha faz cada vez mais sentido. Aparentemente o ex-ministro terá pedido por quatro vezes a Sócrates para abandonar o governo, em diversas ocasiões. Terá também prevenido Sócrates da publicação do seu já famoso artigo de opinião. Sócrates alegadamente não terá lido o artigo antes da publicação, e, depois desta, terá posto o ex-ministro perante duas alternativas: ou se demitia ou era demitido. Sócrates agiu bem, na defesa da coesão do governo e no seguimento das políticas presentes no programa de governo apresentado aos eleitores em fevereiro passado, e sufragadas com maioria absolutal. Fica-se sem saber o que terá levado Campos e Cunha a aceitar integrar o governo, sabendo que a Ota e o TGV faziam parte - e ainda bem - das intenções deste governo. Finalmente, não deixa de ser divertido o frenesim da oposição e de alguma comunicação social. Sócrates é criticado por, pasme-se!, manter uma atitude coerente e por não permitir secessões no seu governo. Que queriam? Que fosse a rebaldaria, que cada ministro dissesse o que bem lhe aprouvesse, indo contra a linha política do governo? Afinal criticava-se - e bem - Santana Lopes por não ter um rumo e permitir que cada ministro dissesse o que lhe desse na real gana, e agora critica-se Sócrates por fazer exactamente o contrário? Criticava-se Guterres por hesitar e ziguezaguear, e agora critica-se Sócrates por fazer exactamente o contrário?
sexta-feira, julho 22, 2005
Em que é que ficamos, afinal?
Marques Mendes elogiou hoje na RTP1 o ex-Ministro das Finanças, Campos e Cunha, dizendo que, apesar de não concordar com a subida do IVA, achava que ele estava a fazer um trabalho sério. Eu também acho. Pena que Marques Mendes não o tenha dito enquanto Campos e Cunha era ministro. Pena também que Marques Mendes não se tenha insurgido contra o aumento do IVA decretado pelo governo do seu partido, em 2002. Aliás é curioso como o PSD e o CDS hoje criticam ferozmente uma medida que o seu próprio governo decretou praticamente mal tomou posse.
Igualmente curioso foi o discurso de um comentador cujo nome não retive, na RTP-N. Dizia esse senhor que aparentemente Sócrates não permitia que houvesse no seu governo vozes discordantes, coisa que não lhe parecia bem, ao comentador. Depreende-se que se Sócrates as permitisse, na opinião desse comentador isso seria positivo. No entanto uma das maiores críticas que se fizeram a Santana Lopes foi precisamente o de qualquer ministro ter a sua opinião, nem sempre concordante com a do próprio primeiro-ministro, o que indiciava descoordenação. Também a Guterres se criticou o ser demasiado dialogante e tolerante. Em que é que ficamos, afinal? Pode haver vozes discordantes ou não? Deve haver uma disciplina férrea ou não?
Igualmente curioso foi o discurso de um comentador cujo nome não retive, na RTP-N. Dizia esse senhor que aparentemente Sócrates não permitia que houvesse no seu governo vozes discordantes, coisa que não lhe parecia bem, ao comentador. Depreende-se que se Sócrates as permitisse, na opinião desse comentador isso seria positivo. No entanto uma das maiores críticas que se fizeram a Santana Lopes foi precisamente o de qualquer ministro ter a sua opinião, nem sempre concordante com a do próprio primeiro-ministro, o que indiciava descoordenação. Também a Guterres se criticou o ser demasiado dialogante e tolerante. Em que é que ficamos, afinal? Pode haver vozes discordantes ou não? Deve haver uma disciplina férrea ou não?
quinta-feira, julho 21, 2005
Coligação de Direita Unitária
O debate da SIC-Notícias desta noite, com os candidatos à Câmara do Porto, foi esclarecedor. A coligação PSD/PP/CDU, representada por Rui Sá e Rui Rio, sentou-se lado, e foi-se defendendo como pôde dos ataques da oposição (PS e BE). Rui Sá foi tecendo loas ao companheiro de coligação, que lhe sorria carinhosamente; de vez em quando trocavam pequenas farpas amigáveis, como que a disfarçar. Rui Rio demonstrou de novo a sua costela populista ao bom estilo sul-americano, enquanto o seu parceiro de coligação se mostrou tímido e visivelmente pouco à vontade na assunção do seu papel de muleta da direita. Quanto à oposição, João Teixeira Lopes (BE) encostou Rui Rio às cordas praticamente sempre que lhe dirigiu a palavra. Ainda que não se concorde com a sua política (eu não concordo), há-que reconhecer a sua habilidade. Francisco Assis (PS) marcou pontos, sobretudo pela imagem dinâmica e inconformista. Dará um bom presidente de câmara do Porto, se ganhar. Mas o elemento mais fraco do debate foi mesmo a SIC. Como parecia mal aos portuenses fazer o debate em Lisboa (o que seria lógico, pois a sede da cadeia de TV é em Lisboa), decidiram fazê-lo no Porto. Passe o provincianismo da medida, o grande problema foi que o estúdio não tinha quaisquer condições. Primeiro pela poluição visual (quem é a alma retorcida e doente que acha que é bonito embrulhar árvores da rua em luzes de Natal?); mas sobretudo pela gritaria de fundo, que só era abafada quando algum candidato levantava a voz. Mas que raio era aquilo? Às tantas ouviam-se gargalhadas masculinas (ainda que efeminadas) histéricas. Gritos, guinchos, gargalhadas, gente a falar alto... Que raio era aquilo?! Não há um pingo de profissionalismo naquele estúdio do Porto?
domingo, julho 17, 2005
Importa-se de repetir?
O Bloco de Esquerda, tal como o Partido Comunista, sempre foi mais activo na oposição aos governos socialistas do que aos governos da direita. Claramente dão-se melhor com governos de direita, e tudo fazem para derrubar e desacreditar os governos de esquerda. O cenário ideal para comunistas e bloquistas é provocar a queda de um governo socialista para permitir a eleição de um governo de direita. É estranho, mas realmente é assim que têm funcionado, quer comunistas quer bloquistas. Basta ver que o Bloco desde Fevereiro passado já fez mais oposição ao governo PS do que nos 3 anos anteriores aos governos de direita. Os comunistas nestes poucos meses também já se encarniçaram mais contra o PS do que entre Março de 2002 e Fevereiro de 2005 contra a coligação de direita. Talvez seja por ter funcionado tão bem a coligação informal com a direita, na Câmara do Porto.
O Bloco lançou agora um cartaz que culpa o novo governo de, entre outras coisas, ser responsável pelo aumento dos combustíveis. Não, não estou a inventar, é mesmo verdade, está lá escrito, no cartaz. Parece mentira, mas é mesmo verdade que eles escreveram isso. Como qualquer criança de 6 anos sabe, o governo não tem qualquer influência sobre o preço dos combustíveis, desde que o mercado foi liberalizado. Também como qualquer criança sabe, os aumentos devem-se à subida do preço do petróleo. Infelizmente o governo não tem qualquer interferência sobre o preço do petróleo. Os senhores do Bloco sabem disso. No entanto não tiveram pejo em colocar aquele cartaz nas ruas. Isto só tem um nome: desonestidade. Para não dizer populismo demagogo.
José Manuel Portunhol
Há quem ache que Durão Barroso insultou a cultura e língua portuguesas e deu um tristíssimo espectáculo de lambe-botismo, quando ao ser designado presidente da Comissão Europeia mudou o seu nome para José Barroso (ou coisa parecida), qual papa acabado de ser eleito em conclave, alegando entre risinhos subservientes que assim seria mais fácil para os jornalistas ingleses. Que injustiça! Ele já tinha descido ainda mais baixo quando, em 2002, apareceu no congresso do PP espanhol a gritar em bom portunhol "Viva la justiça! Viva la Espanha!" (ler à portuguesa), perante a consternação dos congressistas, que se entreolhavam como quem diz "Quién es? Qué lengua está hablando éste?".
quinta-feira, julho 14, 2005
Ramo de Formação Educacional
O novo sistema para o Ramo de Formação Educacional, que prevê a não atribuição de turmas aos estagiários e a consequente não remuneração, é mau, e é profundamente injusto. Representa mesmo um grave retrocesso na qualidade do ensino em Portugal, a médio prazo.
Ninguém aprende a dar aulas sem estar efectivamente a dá-las. Com este sistema os estagiários limitar-se-ão a dar algumas aulas dos seus orientadores, ao longo do ano lectivo. É pouco. É muito pouco. Ninguém aprende a dar aulas desta maneira. Aprender a dar aulas implica uma prática diária, efectiva, intensa. Implica também errar, e fazer melhor depois, evitando cometer os mesmos erros. Ninguém tem tempo para detectar os seus próprios erros, dando meia dúzia de aulas, espaçadas, ao longo de um ano lectivo. Com o antigo sistema, o estagiário chegava ao fim do ano com a tarimba necessária para recomeçar no ano lectivo seguinte. Tinha tido tempo para praticar, para errar e emendar os seus erros. Era também para isso que serviam as aulas assistidas, para detectar os erros a tempo de serem emendados. Agora vamos ter estagiários que acabam o 6º ano sem terem tido tempo para errar e emendar os seus próprios erros. Vamos ter estagiários que acabam o 6º ano e não têm condições efectivas para recomeçar no ano lectivo seguinte. Serão atirados às feras (quase literalmente), sem apoio. Darão nessa altura aulas a sério pela primeira vez na vida, sem apoio.
Com o sistema antigo davam aulas a sério no 6º ano, e eram apoiados por colegas de estágio e orientadores de escola e da faculdade. Agora não. Agora vão sozinhos, depois de um 6º ano sem prática efectiva.
Além disso, ser professor não é só dar aulas, ao contrário do que alguns demagogos querem fazer crer - só um demagogo ou uma pessoa muito mal [in]formada acha que um professor só dá aulas e tem 6 meses de férias por ano. Ser professor implica também saber levar a cabo toda uma série de tarefas administrativas de vária espécie. Implica ainda fazer testes, e depois corrigi-los. Implica saber avaliar. Estes novos estagiários não saberão fazer a sério nenhuma destas coisas. Não têm turmas atribuídas, portanto não poderão secretariar uma reunião (bom, aqui até têm sorte...). Não saberão o que é elaborar um teste - ainda que admita que alguns orientadores lhes pedirão que façam um ou outro teste ao longo do ano. Mas fazer um ou dois testes ao longo do ano é muito, muito diferente de fazer seis ou sete testes por turma. Faltará a estes novos estagiários algo que é fundamental: a responsabilidade. Não que eles sejam irresponsáveis - longe disso. Irresponsáveis são aqueles que lhes retiraram a possibilidade de terem turmas à sua responsabilidade, com tudo o que isso representa na formação de um professor.
É que no sistema antigo tinham essa responsabilidade desde o primeiro dia. Podiam falhar, é certo, mas tinham os orientadores, que os podiam ajudar, e remediar o que eventualmente fosse mal feito. Agora não. quando finalmente tiverem uma turma à sua responsabilidade (após o 6º ano), estão entregues a si mesmos, fazendo tudo pela primeira vez e sem qualquer apoio, se não tiverem a sorte de terem um colega mais velho que não os conhece de lado nenhum mas que tem a boa vontade suficiente para dispor de alguns minutos para os ajudar.
Além destes e de outros aspectos pedagógicos, há outro aspecto a ter em conta: não tendo remuneração, como poderão viver estes novos estagiários, deslocados, sem dinheiro para pagar casa e comida? Quem pagará as casas que terão de alugar? Quem pagará a comida que têm de comer? Dir-me-ão que tantas outras profissões têm estágios não remunerados. É verdade. Mas em nenhuma dessas profissões os estagiários estão 10 meses deslocados a várias dezenas, mesmo centenas, de quilómetros de casa.
Lamento que este ataque inqualificável à qualidade de ensino venha do meu partido. Lamento profundamente que se venda assim a nossa educação. Sim, porque se trata de vender. Estas novas directivas, inseridas no malfadado Plano de Estabilidade e Crescimento, têm como único objectivo poupar dinheiro. Poupa-se nos ordenados dos estagiários, que são simplesmente eliminados, e poupa-se em outros ordenados, pois não tendo os orientadores horas de redução, naturalmente são menos vagas a serem preenchidas por outros professores.
Eu tive a sorte de fazer um 6º ano do Ramo de Formação Educacional a sério, com turmas atribuídas. Não me considero ainda um bom professor - tenho tanto a aprender - mas sei que se não tivesse passado por aquele ano intenso, trabalhoso, duro mas gratificante, certamente seria muito pior professor do que sou hoje.
Mas mesmo admitindo que esta reforma era inevitável. Mesmo admitindo o inadmissível, há ainda o facto de se alterarem as regras a meio do jogo. Muitos dos estagiários que vão fazer este novo 6º ano (refiro-me aos que fizeram cursos do género 4+2) inscreveram-se num biénio com um determinado número de regras e expectativas de que se fez tabula rasa de repente, sem pré-aviso, já na fase final do 5º ano. Não teria sido possível permitir que os alunos que tinham já começado a sua formação pudessem concluí-la exactamente como lhes tinha sido garantido? Não teria sido possível aplicar esta inenarrável reforma só aos próximos estagiários, que já saberiam o que os esperava quando optassem pela via de ensino? Teria custado assim tanto esperar um ano ou dois? Vende-se a educação de um país por tão pouco?
Ninguém aprende a dar aulas sem estar efectivamente a dá-las. Com este sistema os estagiários limitar-se-ão a dar algumas aulas dos seus orientadores, ao longo do ano lectivo. É pouco. É muito pouco. Ninguém aprende a dar aulas desta maneira. Aprender a dar aulas implica uma prática diária, efectiva, intensa. Implica também errar, e fazer melhor depois, evitando cometer os mesmos erros. Ninguém tem tempo para detectar os seus próprios erros, dando meia dúzia de aulas, espaçadas, ao longo de um ano lectivo. Com o antigo sistema, o estagiário chegava ao fim do ano com a tarimba necessária para recomeçar no ano lectivo seguinte. Tinha tido tempo para praticar, para errar e emendar os seus erros. Era também para isso que serviam as aulas assistidas, para detectar os erros a tempo de serem emendados. Agora vamos ter estagiários que acabam o 6º ano sem terem tido tempo para errar e emendar os seus próprios erros. Vamos ter estagiários que acabam o 6º ano e não têm condições efectivas para recomeçar no ano lectivo seguinte. Serão atirados às feras (quase literalmente), sem apoio. Darão nessa altura aulas a sério pela primeira vez na vida, sem apoio.
Com o sistema antigo davam aulas a sério no 6º ano, e eram apoiados por colegas de estágio e orientadores de escola e da faculdade. Agora não. Agora vão sozinhos, depois de um 6º ano sem prática efectiva.
Além disso, ser professor não é só dar aulas, ao contrário do que alguns demagogos querem fazer crer - só um demagogo ou uma pessoa muito mal [in]formada acha que um professor só dá aulas e tem 6 meses de férias por ano. Ser professor implica também saber levar a cabo toda uma série de tarefas administrativas de vária espécie. Implica ainda fazer testes, e depois corrigi-los. Implica saber avaliar. Estes novos estagiários não saberão fazer a sério nenhuma destas coisas. Não têm turmas atribuídas, portanto não poderão secretariar uma reunião (bom, aqui até têm sorte...). Não saberão o que é elaborar um teste - ainda que admita que alguns orientadores lhes pedirão que façam um ou outro teste ao longo do ano. Mas fazer um ou dois testes ao longo do ano é muito, muito diferente de fazer seis ou sete testes por turma. Faltará a estes novos estagiários algo que é fundamental: a responsabilidade. Não que eles sejam irresponsáveis - longe disso. Irresponsáveis são aqueles que lhes retiraram a possibilidade de terem turmas à sua responsabilidade, com tudo o que isso representa na formação de um professor.
É que no sistema antigo tinham essa responsabilidade desde o primeiro dia. Podiam falhar, é certo, mas tinham os orientadores, que os podiam ajudar, e remediar o que eventualmente fosse mal feito. Agora não. quando finalmente tiverem uma turma à sua responsabilidade (após o 6º ano), estão entregues a si mesmos, fazendo tudo pela primeira vez e sem qualquer apoio, se não tiverem a sorte de terem um colega mais velho que não os conhece de lado nenhum mas que tem a boa vontade suficiente para dispor de alguns minutos para os ajudar.
Além destes e de outros aspectos pedagógicos, há outro aspecto a ter em conta: não tendo remuneração, como poderão viver estes novos estagiários, deslocados, sem dinheiro para pagar casa e comida? Quem pagará as casas que terão de alugar? Quem pagará a comida que têm de comer? Dir-me-ão que tantas outras profissões têm estágios não remunerados. É verdade. Mas em nenhuma dessas profissões os estagiários estão 10 meses deslocados a várias dezenas, mesmo centenas, de quilómetros de casa.
Lamento que este ataque inqualificável à qualidade de ensino venha do meu partido. Lamento profundamente que se venda assim a nossa educação. Sim, porque se trata de vender. Estas novas directivas, inseridas no malfadado Plano de Estabilidade e Crescimento, têm como único objectivo poupar dinheiro. Poupa-se nos ordenados dos estagiários, que são simplesmente eliminados, e poupa-se em outros ordenados, pois não tendo os orientadores horas de redução, naturalmente são menos vagas a serem preenchidas por outros professores.
Eu tive a sorte de fazer um 6º ano do Ramo de Formação Educacional a sério, com turmas atribuídas. Não me considero ainda um bom professor - tenho tanto a aprender - mas sei que se não tivesse passado por aquele ano intenso, trabalhoso, duro mas gratificante, certamente seria muito pior professor do que sou hoje.
Mas mesmo admitindo que esta reforma era inevitável. Mesmo admitindo o inadmissível, há ainda o facto de se alterarem as regras a meio do jogo. Muitos dos estagiários que vão fazer este novo 6º ano (refiro-me aos que fizeram cursos do género 4+2) inscreveram-se num biénio com um determinado número de regras e expectativas de que se fez tabula rasa de repente, sem pré-aviso, já na fase final do 5º ano. Não teria sido possível permitir que os alunos que tinham já começado a sua formação pudessem concluí-la exactamente como lhes tinha sido garantido? Não teria sido possível aplicar esta inenarrável reforma só aos próximos estagiários, que já saberiam o que os esperava quando optassem pela via de ensino? Teria custado assim tanto esperar um ano ou dois? Vende-se a educação de um país por tão pouco?
segunda-feira, julho 11, 2005
Nacionalidade
A nova Lei da Nacionalidade proposta pelo Governo só peca por pouco ambiciosa. É óbvio que quem nasce em Portugal tem de ser português. Cabe na cabeça de alguém negar a nacionalidade portuguesa a quem nasceu em Portugal, sempre viveu em Portugal, só fala português? Apesar de tímida, esta lei é já um importante passo em frente. O meu aplauso.
Resumo da proposta de lei do Conselho de Ministros:
"O Conselho de Ministros de 8 de Julho aprovou a Proposta de Lei que altera Lei da Nacionalidade. Esta proposta visa, com prudância e com realismo, garantir o pleno acesso à cidadania e favorecer a integração social das pessoas que nasceram em território português e que mantêm uma forte ligação á comunidade nacional. Atribui-se a nacionalidade aos indivíduos nascidos em Portugal, filhos de estrangeiros, quando pelo menos um dos progenitores também aqui nasceu e reside. Permite-se a sua aquisição aos nascidos em Portugal desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos 6 anos. Quanto à naturalização, propõe-se a concessão da nacionalidade aos menores nascidos em Portugal quando os progenitores façam prova de que aqui residem legalmente por forma duradoura e às pessoas nascidas em Portugal e que aqui atinjam a maioridade, tendo permanecido em território português pelo menos nos 10 anos anteriores ao pedido."
Retirado do Portal do Governo.
Resumo da proposta de lei do Conselho de Ministros:
"O Conselho de Ministros de 8 de Julho aprovou a Proposta de Lei que altera Lei da Nacionalidade. Esta proposta visa, com prudância e com realismo, garantir o pleno acesso à cidadania e favorecer a integração social das pessoas que nasceram em território português e que mantêm uma forte ligação á comunidade nacional. Atribui-se a nacionalidade aos indivíduos nascidos em Portugal, filhos de estrangeiros, quando pelo menos um dos progenitores também aqui nasceu e reside. Permite-se a sua aquisição aos nascidos em Portugal desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos 6 anos. Quanto à naturalização, propõe-se a concessão da nacionalidade aos menores nascidos em Portugal quando os progenitores façam prova de que aqui residem legalmente por forma duradoura e às pessoas nascidas em Portugal e que aqui atinjam a maioridade, tendo permanecido em território português pelo menos nos 10 anos anteriores ao pedido."
Retirado do Portal do Governo.
Era uma vez um arrastão
Quem tivesse estado sereno e atento durante a histeria provocada pelo alegado "arrastão" de Carcavelos já se teria apercebido de que nem tudo o que parecia era. Com efeito logo no dia seguinte o fabuloso número de 500 assaltantes foi desmentido, tendo-lhe sido retirado um zero e mais uns pozinhos. Não deixava de ser grave, mas entre 30 ou 40 e 500 vai uma grande distância. Agora prova-se, pela boca do Comandante Metropolitano da PSP de Lisboa, que realmente não houve "arrastão" nenhum. Tudo não passou de alguns assaltos levados a cabo por alguns dos elementos de um grupo maior. É grave, ainda assim, mas convenhamos que não é bem a mesma coisa.
Poderia não passar de mais um lamentável exagero de alguma comunicação social (foi pena a outra, mais séria, ter ido a reboque...), se não tivesse consequências muito graves a nível social. A verdade é que, apesar de todos os números o desmentirem, cresce na população portuguesa a ideia de que a insegurança é cada vez maior, de que a criminalidade aumenta, de que começa a ser perigoso sair à rua. Todos os números o desmentem. Mas quando as pessoas acham que a insegurança aumenta, não há nada a fazer. O clima de pânico está instalado. E no entanto todos os números mostram que a criminalidade tem descido nos últimos anos.
Os números e a memória. Quem conheceu Lisboa há uns 10 anos e quem a conhece agora sabe do que estou a falar. Apesar de continuar a ser uma cidade com criminalidade, apesar de haver assaltos diariamente, não há qualquer comparação com o que se passava há poucos anos. Vejamos, por exemplo, a zona da Cidade Universitária / Campo Grande. Quando eu era estudante na Faculdade de Letras (1989/1993) os assaltos eram diários e frequentes, naquela zona. Eu próprio fui assaltado por brancos, no Campo Grande em pleno dia. Na Cidade Universitária os assaltos eram constantes, quer na Alameda quer mesmo no recinto das faculdades. Um professor meu foi assaltado enquanto se deslocava de um pavilhão para o edifício central. A coisa era de tal maneira que houve manifestações a exigir policiamente a cavalo. Hoje, mais de 10 anos depois, faço o percurso entre a FLUL e o metro do Campo Grande com relativo à vontade. Nos finais dos anos 90 fazia mesmo esse percurso diariamente, sem quaisquer incidentes. Também desde finais dos anos 90 que dou aulas no período nocturno, na FLUL, e saio às 22h. Até agora não tive qualquer problema, nem tenho notícias de quaisquer incidentes. No início dos anos 90, recordo, os assaltos no Campo Grande e na Cidade Universitária eram às dezenas por dia. Hoje se os há são tão poucos que não me chega notícia de nenhum há muitos anos.
Houve também algum histerismo, acicatado pela SIC, em relação aos problemas nos comboios da Linha de Sintra. Curiosamente não foi dado qualquer relevo às notícias que indicavam uma diminuição muito significativa desses mesmos problemas nos últimos anos.
Este tipo de jornalismo sensacionalista dá uma ideia distorcida da realidade, que provoca na população menos esclarecida um sentimento de insegurança desporporcionado, como se pode comprovar nas conversas de rua e nos vox populi de diversos jornais. Quem se aproveita disto? Por enquanto apenas alguns movimentos marginais. Mas não tardará o dia em que o populismo xenófobo fará a sua entrada em grande na política portuguesa.
Poderia não passar de mais um lamentável exagero de alguma comunicação social (foi pena a outra, mais séria, ter ido a reboque...), se não tivesse consequências muito graves a nível social. A verdade é que, apesar de todos os números o desmentirem, cresce na população portuguesa a ideia de que a insegurança é cada vez maior, de que a criminalidade aumenta, de que começa a ser perigoso sair à rua. Todos os números o desmentem. Mas quando as pessoas acham que a insegurança aumenta, não há nada a fazer. O clima de pânico está instalado. E no entanto todos os números mostram que a criminalidade tem descido nos últimos anos.
Os números e a memória. Quem conheceu Lisboa há uns 10 anos e quem a conhece agora sabe do que estou a falar. Apesar de continuar a ser uma cidade com criminalidade, apesar de haver assaltos diariamente, não há qualquer comparação com o que se passava há poucos anos. Vejamos, por exemplo, a zona da Cidade Universitária / Campo Grande. Quando eu era estudante na Faculdade de Letras (1989/1993) os assaltos eram diários e frequentes, naquela zona. Eu próprio fui assaltado por brancos, no Campo Grande em pleno dia. Na Cidade Universitária os assaltos eram constantes, quer na Alameda quer mesmo no recinto das faculdades. Um professor meu foi assaltado enquanto se deslocava de um pavilhão para o edifício central. A coisa era de tal maneira que houve manifestações a exigir policiamente a cavalo. Hoje, mais de 10 anos depois, faço o percurso entre a FLUL e o metro do Campo Grande com relativo à vontade. Nos finais dos anos 90 fazia mesmo esse percurso diariamente, sem quaisquer incidentes. Também desde finais dos anos 90 que dou aulas no período nocturno, na FLUL, e saio às 22h. Até agora não tive qualquer problema, nem tenho notícias de quaisquer incidentes. No início dos anos 90, recordo, os assaltos no Campo Grande e na Cidade Universitária eram às dezenas por dia. Hoje se os há são tão poucos que não me chega notícia de nenhum há muitos anos.
Houve também algum histerismo, acicatado pela SIC, em relação aos problemas nos comboios da Linha de Sintra. Curiosamente não foi dado qualquer relevo às notícias que indicavam uma diminuição muito significativa desses mesmos problemas nos últimos anos.
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Linha editorial
Este "blog" dedicar-se-á ao comentário e reflexão sobre a política e sociedade internas e externas. O alinhamento político do seu autor situa-se na ala esquerda do Partido Socialista. Haverá também espaço para comentários desportivos, que serão sempre para apoiar o Sporting Clube de Portugal.
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