sábado, maio 24, 2008

A gasolina e os cafés

Na minha praceta há 3 cafés.

O mais antigo tem hoje muito menos gente do que era habitual. Ainda me lembro de o ver apinhado, à noite, e sempre muito composto de dia, mesmo depois de o do meio ter aberto, mesmo depois de o mais recente ter aberto. Vai-se mantendo porque tem uma clientela fiel, ligada por fortes laços de amizade aos donos.

O do meio tem duas portas que dão para os dois lados do prédio. Em cada uma um malcriado papel a berrar "É proibido fazer do café passagem". Antes de o papel estar afixado já o café estava quase vazio. Agora está permanentemente vazio. A dona e a empregada passam o dia à porta, na rua, a fumar cigarros entediados. O declínio deste café, que já foi concorridíssimo, começou quando os donos, desrespeitando ostensivamente toda a vizinhança, começaram a fazer festanças pela noite dentro, ao Sábado, com música no máximo e muito, muito álcool a correr. Antes disso estava sempre à cunha. Quando havia futebol, rebentava pelas costuras. Agora já nem passa futebol. Não há ninguém para o ver.

O mais recente começou por ter uma clientela residual. Afinal o mais antigo e o do meio estavam no seu auge, sempre cheios de gente. Além disso, não tinha (nem tem ainda) SportTV, o que em dias de futebol é uma falha imperdoável. Depois foi fazendo a diferença, e roubando a clientela aos outros. Agora, mesmo sendo, de longe, o mais pequeno dos três, é o que tem sempre mais gente. A certas horas não há lugar sentado, e para se chegar ao balcão é preciso pedir licença com alguma veemência. Qual é o segredo? Um serviço exemplar. Se um empregado demora mais do que alguns segundos a atender o cliente, o patrão (que também serve, é apenas o primus inter pares dos empregados) chama-lhe imediatamente a atenção. Se o serviço é mal feito, o patrão é o primeiro a protestar. Além disso, o cliente aqui tem mesmo sempre razão, e qualquer eventual falha é compensada com abundantes e sinceros pedidos de desculpa por parte de empregados e patrão. Se acaso patrão e empregados estão a almoçar, não há ninguém ao balcão e um cliente entra, há sempre alguém que se levanta da mesa, rapidamente, sem maus modos, sem expressão de enfado, e atende com sorrisos. O cliente, além de ter sempre razão, é sempre o mais importante: se o patrão está a tratar com um fornecedor e aparece um cliente, não há hesitações: o fornecedor que espere, o cliente é atendido sempre em primeiro lugar, custe o que custar, doa a quem doer. Neste café é impensável a usual cena do empregado a lavar pachorrentamente chávenas de café enquanto os clientes esperam. E portanto este é o café mais frequentado da praceta. Mesmo sem a SportTV, a história e as dimensões dos restantes. Mesmo sendo o mais recente. Talvez por ser o único dos três que não funciona à portuguesa.

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