sábado, março 27, 2010

Apólogo da Morte



De D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666), que teve o azar de nascer no mesmo ano do Pe. António Vieira, e assim viu passar despercebida a sua efeméride.

Apólogo da Morte

Vi eu um dia a Morte andar folgando
por um campo de vivos, que a não viam.
Os velhos, sem saber o que faziam,
a cada passo nela iam topando.

Na mocidade os moços confiando,
ignorantes da morte, a não temiam.
Todos cegos, nenhuns se lhe desviam;
ela a todos c'o dedo os vai contando.

Então, quis disparar, e os olhos cerra:
tirou, e errou! Eu, vendo seus empregos
tão sem ordem, bradei: tem-te homicida!

Voltou-se, e respondeu: tal vai de guerra!
Se vós todos andais comigo cegos,
que esperais que convosco ande advertida?


in As Segundas Três Musas
ed. António Correia de A. E. Oliveira, Liv. Clássica Editora, Lisboa, 1966

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