quarta-feira, agosto 26, 2009

Das ralações de D. Sebastião

[Os que tenham a desdita de não saber Latim não desesperem: a tradução está lá em baixo.]

«Post Sebastiani pulchram, & generosam mortem, quem hodie non pauci somniant superstitem, & regnaturum; plurimi in variis mundi locis conturbauerunt Lusitanorum animos nomine mentito Sebastiani. Inter reliquos, celebrior Madrigalensis quispiam; qui, postea conuictus, condemnatur. Regi defuncto erat simillimus faciei constitutione, & membrorum dispositione organica; prae se ferebat tamen aetatem maiorem quam deberet, si fuisset reuera Sebastianus. Species vultus fracta quodammodo apparebat: hoc populus attribuebat laboribus, sed non aetati. Vere fefellit plurimos; quia Sebastiani Confessario (hic enim sententiae vltimae rigori subiacuit) instruente, secretissima arcana Regni percallebat, & omnes eius actiones simia ignobilis imitabatur. Examinatus de rebus minutissimis, quas Philippus Prudens cum Sebastiano egerat Guadalippi, ostendit se pollere memoria felicissima: addebat circumstantias quarum Philippus immemor; sed, examine adhibito, repertae verae. Ceterum ab aliquibus Madrigaliae ciuitatis incolis tandem cognitus, confessus est, se ambitione regnandi ductum acquieuisse instructioni Regii Confessarii, & Sebastiani difficilem vere personam, sed tragice, simulauisse. Instructor capitur; qui aperte exposuit, qua inficiebatur, inuidiam atque maleuolentiam, non solum in Philippus Prudentem, sed etiam in omnes Castellanos. Bifariam erat proditor in hoc facinore. Volebat primo turbare Lusitaniam, & eliminare, imo delere Hispanos; secundo, Antonium accersire, vt, fictione detecta, iterato discrimine clauum teneret Portugalliae.»

Juan Caramuel Lobkowitz
Philippus prudens Caroli V. Imp. Filius Lusitaniae Algarbiae, Indiae, Brasiliae legitimus rex demonstratus
Livro I, p. 77.
Edição de 1639.


Quem é como quem diz, em linguagem:

«Após a honrosa e generosa morte de Sebastião, o qual hoje não poucos sonham que vive e há-de reinar, muitos, em várias partes do mundo, agitaram os espíritos dos portugueses, com o falso nome de Sebastião. Entre outros, o mais conhecido foi um tal de Madrigalense, que, mais tarde desmascarado, é condenado. Era muito parecido com o falecido Rei, na constituição da cara e na disposição dos membros. Contra si tinha, no entanto, a idade, maior do que deveria, se de facto fosse Sebastião. A cara tinha um aspecto de certa maneira enrugado. O povo atribuía isso às ralações, não à idade. A verdade é que enganou muitos, pois instruindo-o confessor de Sebastião (esse, na verdade, foi submetido ao rigor da sentença capital), sabia muito bem os mais secretos arcanos do Reino, e, ignóbil macaco, imitava todas as suas acções. Examinado sobre coisas muito miúdas que Filipe o Prudente tratara com Sebastião em Guadalupe, mostrou-se dotado de uma memória riquíssima: acrescentava circunstâncias das quais Filipe não se recordava, mas que, tendo sido examinadas, se acharam verdadeiras. Porém, tendo sido por fim reconhecido por alguns habitantes da cidade do Madrigal, confessou que havia consentido na instrução do confessor régio levado pela ambição de reinar, e que imitara verdadeira mas tragicamente a difícil pessoa de Sebastião. O que o instruiu foi preso. Este revelou abertamente o ódio e a malevolência de que estava impregnado, não só contra Filipe o Prudente, mas ainda contra todos os castelhanos. Era duplamente traidor: queria, em primeiro lugar agitar Portugal, e eliminar – mais ainda: destruir os espanhóis; e, em segundo lugar, chamar António, para, revelada a ficção, com renovada contenda tomar o leme de Portugal.»

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